Resposta simples para um problema complexo: o debate sobre o retorno às aulas

FONTEPor Jocivaldo dos Anjos, enviado para o Portal Geledés
 Foto: Reza/Getty Images

“Ano se recupera. A vida não”. Com este mote muitos professores, pais, mães, estudantes e diversos segmentos sociais têm se colocado acerca do retorno às aulas. Afirmam que somente devem voltar às aulas quando tivermos a distribuição de uma vacina no Brasil.

A assertiva encontra ressonância e transmissão em varias frentes. Pois, afirmam os defensores da não volta às aulas que esta medida é a proteção intransigente da vida. E, “com a vida não se brinca”.

A defesa da vida não se coloca em relevo. Se trata de um direito fundamental positiva no ordenamento jurídico nacional. E, para a garantia da proteção à vida é que muitos cientistas estão imersos em pesquisas para a busca da vacina. Mas, afirmar que somente devem retornar às aulas, 50 milhões de estudantes no Brasil após a descoberta e disposição da vacina não parece ser uma resposta do tamanho e da complexidade do problema apresentado.

Falamos de um país com a maior assimetria do mundo. A capital mundial da desigualdade. E esta desigualdade é estrutural que a pandemia do coronavírus somente aumenta ainda mais a tragédia que é o modelo de desenvolvimento nacional. Baseado na raça quento tecnológica de seleção de todos os espaços geopolíticos. Dai, também deve surgir o entendimento acerca de quais são as pessoas que estão em confinamento neste momento é cumprindo a quarentena.

Ao se avaliar os dados que informam sobre os cumpridores das medidas restritivas de circulação irão observar que estas pessoas se concentram nos bairros mais enriquecidos pela história do país. Estes bairros, além disso, ostenta ainda a maior taxa de trabalhadores em condições remotas, estudantes sendo orientados por professores a distância e, neles também, se encontram os brasileiros que aumentaram suas rendas em mais de 34 bilhões de dólares. Mas, nas franjas econômicas destes bairros também há uma parcela também ganham, em escala os que ganham menos até chegar às classes dos que perdem e dos que perdem muito mais. Tem os que não tem nem o que perder também, em outro turno. Nos lugares em que vivem os que perdem muito mais neste período (e também são os que perdem sempre) é onde estão os estudantes que cumprem menos a quarentena, que uma parcela significativa continuam a trabalhar, até mesmo para sobreviver, e que dependem dos certificados de conclusão de curso para aferir renda melhor.

– Como isso você está defendendo o retorno às aulas, Jocivaldo? – não. Somente estou colocando elementos que indicam que a simplória resposta que diz que a educação se recupera e a vidas não, não merece um local de destaque entre os que querem, pelo menos, respeitar o apreendido em diversos anos de estudo.

Cometer estelionato acadêmico é uma tônica dos que estão no andar de cima e,, afirmam defender os de baixo, mas, na verdade estão defendendo a si mesmo.

Nos lugares do mundo que as aulas já voltaram seguindo os protocolos de proteção ao retorno, voltaram por já existir vacina ou voltaram porque se protegem em meio à pandemia? Onde voltaram foi uma decisão unilateral ou foi fruto de um grande diálogo entre toda a sociedade para a construção de protocolos em que se levou em consideração todas as variáveis possíveis?

Esta postura radical de não dialogar sobre o retorno, capitaneadas por algumas pessoas, parece residir no local do conforto. No local de quem não precisa de sair todos os dias para garantir a alimentação do dia de amanhã. De quem somente tem nestas pessoas que precisam das escolas, os estudantes, seus objetos de estudo ou trabalho, não de quem apresenta um compromisso complexo e de entendimentos de amor e cuidado com estes e estas. Se furtar a este debate organizativo tanto das estruturas físicas quanto da parte de suprimentos e pedagógicas se trata de uma prova de descompromisso e negação do local dialógico que deve ser a educação. Tipo assim: na tormenta eu assumo o lugar do pessimista e fico recluso em meu canto. Mas, e os demais? E os que não tem a opção de se ostracismo e tem de sair todos os dias para se expor? Fazemos o que com estes?
Os pais e as mães destes estudantes que tem de sair diariamente para trabalhar e não estão podendo sair porque tem de ficar em casa cuidando dos filhos e tem a renda mais achatada ainda a gente diz o que para eles? Dizemos o que para para os  estudantes que estão a cada 10 com 8 casos de ansiedade e depressão? E até mesmo suicídios. E para os estudantes que perderam parentes para a COVID-19, para o crime, para a morte que rodeiam diariamente as suas vidas e neste período somente se agrava? Diremos que tudo somente volta ao normal após a vacina? E se passarmos mais um ano sem vacina? Quem mais perde com isso? Qual o papel do Estado em relação à piora econômica da sociedade? Somente confina o povo em casa e não dialoga sobre nenhuma possibilidade de recuperar o que for possível? A terra arrasada é a chegada e qualquer diálogo de superação e de convivência com as dificuldades apresentadas deve ser evitada? Não me parece este ser o lugar que eu devo ocupar neste momento ímpar da história. Cuidar de gente e defender gente não é defender a si mesmo e o seu umbigo. É dialogar sobre como vamos fazer para defender a todos, em especial os mais necessitados.

É horrendo verificar a defesa de si próprio e do seu lugar de conforto e usar a máxima mentirosa e esquecida de defesa de todos. Em especial dia estudantes. Não é.

Defender é ter a coragem de debater o que fazer para garantia da vida de todos e não somente daquelas e daqueles que podem se defender .

Se furtar ao debate sobre as condições de vida que estão enfrentando os estudantes e somente ter a posição da negativa de retorno é, no mínimo, uma falsidade ideológica e o uso da má fé. Repito, não defendo os retorno para expor ninguém a condições de insegurança sanitária. Mas, ocupar o simplismo nas respostas e usar estudantes empobrecidos de escudo nesta guerra contra a COVID-19 se trata de uma negação do que deve ser a educação. Prefiro seguro sendo um realista esperançoso. Ler o problema do tamanho que ele se apresenta e apontar possíveis soluções com as complexidades que os problemas exigem. Coragem!


** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 
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