Revista Cotidiana

Oi, tudo bem? Deixa eu me apresentar
Sou Carolina e minha mãe foi trabalhar
Só eu e ela, tive que faltar
Todo esse tempo, com irmão doente e outro a nanar
Não fiz a lição de casa, sem tempo pra estudar
E o meu pai eu nunca nem ouvi falar
Um dia ouvi que sou sem futuro e na matéria vou bombar
Preta, pobre e sem espaço, tudo bem, já entendi o meu lugar

Eu sou a escola!

E aí? Eu sou Dandara, tá ligado?
E o papo já foi passado
Se eu não tirar a queixa, será encontrado
Dentro de casa o meu corpo estirado
Falei com os de farda e foi debochado
Será que não fiz nada pra tá com o rosto marcado?
Tenho dezesseis e moro com o meu namorado
Estou com vergonha do que está sendo falado
Não acreditam que ele é culpado
Deveria agradecer que o branquinho de São Conrado
Tá com com a preta da favela do Bernardo

Eu sou a escola!

Não fiz nada, estou na minha
Sou Tereza, sabe como aquela? Nome de rainha
Tento dar exemplo pra minha filha
O pai está preso e quem cuida é minha tia
Pra eu vir pra escola e ajeitar minha vida
Ninguém ama uma mina de pele retinta
É isso, vou ficar sozinha
Mas, debochar que meu cabelo não é liso igual o da Valentina?
Nem pensei, empurrei o João e fui pra cima
Por me defender, o professor me mandou pra Diretoria

Eu sou a escola!

Prazer, Angela, mas, sem desculpas pra essa situação
Advertência por rebolar ao som do batidão?
Sim, mexo a raba e vou até o chão
Mas, as notas estão perfeitas e os textos tipo a Conceição
Por que para o funk pediram a criminalização?
Mas, letras piores são tocadas em Premiação
Som de preto, de favelado, não pode, não
Isso é parte da nossa cultura, o inspetor está perdendo a mão

Eu sou a escola!

Saíram daqui quatro meninas e em suas histórias eu me vi
Diretora Firmino, mas, não entendem o que passo aqui
Histórias que cruzam com os caminhos que vivi
Ver se repetindo, me deixa infeliz
Carolina, Dandara, Tereza e Angela presentes aqui
E quantas outras em nosso país?
Todas elas se encontram na escola, mesmo que não tão expostas assim
Professores e inspetores as mandam pra mim
Mas eles não vêem que há um motim
E o que fazer pro racismo ter fim?

Eu também sou a escola!

 

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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