Robinho, feminismo é para todo mundo!

Feminismo. Faz uns doze anos que ouvi essa palavra pela primeira vez. Quem me apresentou o movimento em defesa da igualdade de oportunidades e de direitos para as mulheres foi a professora Constancia Lima Duarte, que desde os anos 1970 dedica parte da vida à luta contra o machismo, o sexismo e todas as formas de violência e discriminação que incidem sobre nós.

Tive muita sorte. De maneira paciente e amorosa, Constancia me brindou com histórias de mulheres das quais eu jamais tinha ouvido falar. Foi ela que me apresentou Francisca Senhorinha da Motta Diniz, jornalista e educadora mineira que no século XIX já lutava pela escolarização das meninas e pelo direito ao voto. Em artigo publicado no ano 1873, no jornal “O Sexo Feminino”, do qual era redatora e proprietária, ela escreveu: “Em vez de pais de família mandarem ensinar suas filhas a coser, engomar, lavar, cozinhar, varrer a casa etc., etc., mandem-lhes ensinar a ler, escrever, contar, gramática da língua nacional perfeitamente, e depois, economia e medicina doméstica, a puericultura, a literatura (…), a filosofia, a história, a geografia, a física, a história natural…”.

Foi a Constancia também que me apresentou Nísia Floresta, Maria Lacerda de Moura e Bertha Lutz. Eu, que não sabia nada sobre feminismo, de repente me vi com “A mulher na sociedade de classes”, da saudosa socióloga Heleieth Saffioti. Ah, como me senti tão capaz, tão importante ao ter essa obra nas mãos! Pensei: Sou feminista. Preciso ser feminista! A partir desse momento, o movimento de mulheres passou a ser parte do meu estar no mundo, das minhas práticas pedagógicas, do meu desejo de colaborar para a construção de outro modelo societário, pautado na igualdade e na justiça.

Constancia me proporcionou chegar perto de Lélia Gonzalez, ícone maior do feminismo negro no Brasil. Ela me contou, me mostrou fotos dos encontros que teve com Lélia na década de 1980. “Luaninha, ela era bárbara, iluminada! Era impossível não se encantar, ficar impactada pela presença da Lélia!” – disse, certa vez.

Constancia relatou também que, nesses encontros, a socióloga mineira sempre colocava o dedo nas feridas. Enquanto as colegas brancas de classe média/alta refletiam sobre a participação feminina no mercado de trabalho, Lélia interrogava: “E as empregadas domésticas que trabalham em suas casas? E as mulheres negras que deixam de cuidar dos próprios filhos para cuidar dos seus?”. Pensando nisso, fico imaginando o silêncio constrangedor que tomava conta dessas reuniões, desses encontros.

Após conhecer Lélia Gonzalez, fui em busca de Beatriz Nascimento, Alzira Rufino, Cida Bento, Cláudia Pons Cardoso, Jurema Werneck, Luiza Bairros, Matilde Ribeiro e Sueli Carneiro, que me ensinaram a reivindicar o enegrecimento do feminismo. Vez por outra, recorro a uma entrevista concedida pela Sueli à revista “Cult”, em que ela afirmou: “Nós somos sobreviventes e somos testemunhas, porta-vozes dos que foram mortos e silenciados. Nós estamos aqui. Nós somos sobreviventes. Vivemos e viveremos. Nós não só sobrevivemos como agora estamos em ação. (…) Nós, mulheres negras, somos a vanguarda do movimento feminista nesse país; nós, povo negro, somos a vanguarda das lutas sociais deste país porque somos os que sempre ficaram para trás, aquelas e aqueles para os quais nunca houve um projeto real e efetivo de integração social. Doravante, nada mais será possível sem nós”.

Há cerca de cinco anos, mergulhei no universo das feministas afro-americanas: Alice Walker, Toni Morrison, Patricia Hill Collins e Angela Davis. Costumo dizer que Bell Hooks é a minha guia espiritual. Refletindo sobre tudo que aprendi com as mulheres que mencionei, sobre a importância delas e de tantas outras no que diz respeito à garantia de direitos para as mulheres, lembrei do jogador Robinho que, para rebater a condenação por violência sexual que pesa sobre ele na Justiça italiana, resolveu nos atacar. Em entrevista ao UOL, ele declarou: “Infelizmente, existe o movimento feminista”.

Ao dar essa declaração infeliz e ressentida, Robinho mostra que além de ter participado da ação brutal em grupo contra a jovem albanesa, faz coro à onda conservadora que paira sobre o Brasil, sustentada em discursos calcados no ódio, na burrice, na ignorância e na estupidez. Deturpar, desqualificar e criminalizar o movimento feminista é mais uma faceta dos indivíduos e grupos que coadunam com o estado de barbárie que se instalou no país.

Inspirada na obra da Bell Hooks, afirmo: Robinho, você está completamente equivocado. Feminismo é para todo mundo.

É para a sua esposa, para a sua mãe, para todas as mulheres que diariamente têm seus direitos violados.

É para que nenhuma mulher, ao andar pelas ruas, sinta medo de ser assediada, violentada ou estuprada.

É para as parlamentares que demonizam o movimento feminista, mas se esquecem de que o direito de votar e ser votada é uma conquista que foi possível somente a partir da luta de mulheres como Nísia Floresta, Maria Lacerda de Moura, Bertha Lutz e Antonieta de Barros.

É para que a Lei Maria da Penha, que objetiva proteger as mulheres da violência doméstica, possa ser cumprida.

É para que as crianças tenham direito a creches.

É para que meninas não sejam abusadas sexualmente na infância.

É para que meninas e mulheres não tenham seus talentos e potencialidades limitadas em função dos afazeres domésticos que são destinados somente a elas.

É para garantir os direitos das trabalhadoras domésticas, profissão que sua mãe também já exerceu um dia.

É para pôr fim às desigualdades salariais entre homens e mulheres.

É para que as meninas possam sonhar em ser jogadoras de futebol.

E para que as jogadoras de futebol tenham condições dignas de trabalho.

É para que as mulheres tenham acesso a políticas públicas como o Bolsa Família, que tirou mais de 6 milhões de pessoas da miséria.

É para que nenhuma mulher seja arrastada pelas ruas, tal qual ocorreu com a Cláudia Silva Ferreira, em 2014.

É para impedir que mulheres como Marielle Franco sejam violentadas e silenciadas.

É para que possamos celebrar nossos corpos, nossas regras, sem sermos ameaçadas, julgadas ou importunadas.

É para mudar o sistema judiciário, de modo que nenhum homem cometa o crime de feminicídio sob o argumento de “crime passional” ou em “legítima defesa da honra”.

É para que meninos e homens não sejam impedidos de expressar seus sentimentos em função da educação machista e repressora que recebem.

É para que nenhum homem banalize e legitime a violência contra o sexo feminino.

É para que seus filhos possam crescer em um mundo mais justo, humano e igualitário.

Ainda inspirada nas palavras de Bell Hooks, proponho: “Imagine viver em um mundo onde todos nós podemos ser quem somos, um mundo de paz e possibilidades. Uma revolução feminista sozinha não criará esse mundo; precisamos acabar com o racismo, o elitismo e o imperialismo. Mas ele tornará possível que sejamos pessoas – mulheres e homens – autorrealizadas, capazes de criar uma comunidade amorosa, viver juntas, realizando nossos sonhos de liberdade e justiça, vivendo a verdade de que somos todas e todos iguais na criação”.

Robinho, retire o que você disse. Peça desculpas. “Aproxime-se e aprenda, na fonte, o que é o movimento feminista.”

Repito: Feminismo é para todo mundo.

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