Indumentárias são usadas como símbolos políticos de resistência.
Por Itana Alencar, no G1
Importantes instrumentos de construção e manutenção da identidade negra, roupas e adereços que fazem referência à estética do continente africano são usados como símbolos políticos de resistência.
Na Bahia, essas indumentárias estão presentes do “sagrado ao profano”: desde o carnaval, com os blocos afro, até às vestimentas religiosas. Entidades como o Ilê Aiyê, que despertou a reflexão sobre a expressão da negritude no professor Maurício Souza Neto.
Natural do Rio de Janeiro, quando chegou em terras baianas ele morou em Valença, cidade no baixo sul do estado. Maurício, no entanto, só passou a reforçar a identidade negra por meio das roupas, quando foi morar na capital.
“Quando me mudei para Salvador e vi o Ilê, vi ali uma estética e uma possibilidade de ser como pessoa. Essa estética não esteve presente antes na minha vida, e se deve a uma série de fatores. Um deles é o fato de eu ter morado em um lugar onde não tinha acesso a essa cultura, e não tinha pensamentos em questões que envolvem a minha negritude, o que significa ser negro e ser baiano”, avaliou Maurício.
Depois que passou a considerar a questão racial por meio da estética, Maurício adotou turbantes, batas, contas e pulseiras em seu visual. Seu estilo chama atenção por ser fora do considerado convencional. Nos lugares onde transita, os olhares são frequentes.
“Nos locais de trabalho até que não acontece muito, embora eu perceba muitos olhares atravessados. Na rua sim, ouço piadas em alguns momentos. A maioria dos momentos não são tão constrangedores, mas sim engraçados. Já aconteceu de uma pessoa chegar para pedir bênção, como se eu fosse algum tipo de sarcedote”, conta ele aos risos.
Apesar de não sofrer ataques racistas pelas vestimentas que usa, Maurício reconhece que o tratamento não é igual para outras pessoas que também usam roupas que remetem à cultura africana.
“Ainda há uma discriminação muito grande, especialmente pela referência às religiões de matrizes africanas, as quais a estética é associada. E, de fato, também faz parte das religiões, embora não seja exclusivamente delas. Conheço pessoas que gostariam de usar, mas não usam por conta dessa associação”, detalha Maurício.
Ocupar espaços
Usar a estética na ocupação de espaços como escolas e universidade é importante para a manutenção da cultura negra brasileira e africana, fora da perspectiva colonizadora e sem a visão escravagista. O professor Maurício Souza Neto costuma levar essa percepção de mundo para a sala de aula.
“É importante o uso dos adereços nos lugares por questões de visibilidade e representativadade. E porque o corpo fala. Ter um professor negro em uma escola, uma pessoa consciente de seu papel e relevância social é algo necessário. Mostrar tudo isso através de uma estética que fala por si só, é essencial”.
O professor explica que quando se coloca em perspectiva o preconceito com o uso adereços, como o turbante, a discussão nos diversos ambientes é necessária.
“Estar de turbante em um lugar é algo que chama a atenção das pessoas. Só que eu não uso, necessariamente, para chocar. É pela necessidade, sim, de me firmar enquanto negro e mostrar que eu sei o meu lugar na sociedade. Dizer onde eu quero ser colocado, e não onde a sociedade quer me colocar”, disse.
Capital simbólico
Grupos engajados com o movimento negro, seja nas ruas ou nas redes sociais, contribuem para que mais pessoas descubram a afirmação da identidade pela estética. Alguns projetos, inclusive, surgem nas universidades, como é o caso do projeto Empoderamente, da estudante Joyce Melo.
Criado em 2016, o Empoderamente comercializa turbantes, promove oficinas, desfiles, rodas de conversas e ensaios com moradoras da localidades periféricas de Salvador. O último evento foi na região do Alto das Pombas, comunidade que fica no bairro da Federação.
“O objetivo era trazer para este ambiente acadêmico a discussão racial, então o meu projeto seria um meio não só de vender um produto, que neste caso é um turbante 2 em 1, um adereço extremamente simbólico e representativo para cultura negra, mas promover um impacto real que fugisse aos muros da universidade e chegasse às comunidades”, conta Joyce.
Para ela e outras três colaboradoras que fazem parte do Empoderamente, a proposta sempre foi empreender com foco nos impactos sociais.
Além de mover a economia criativa com um negócio identitário, Joyce foca no diálogo com a comunidade para explicar os processos da diáspora negra – o deslocamento forçado da população para fora do continente africano, com a escravização pelos europeus.
“A cultura é viva, e muito foi perdido nesse processo diaspórico. Buscamos sempre nos reconectar e transmitir tudo que aprendemos e sabemos sobre a nossa herança ancestral. Para nós, a promoção de debates relativos a isso é muito mais importante que a venda, simplesmente. E sem dúvidas, é este capital simbólico que nos eleva para um patamar superior a algo meramente estético”, disse.