Rui Costa e as mãos sujas de sangue

A questão não é se os mortos eram ou não eram delinquentes, a questão é que os policias agiram ao arrepio da lei

Por: LELÊ TELES, do Brasil 247

“Estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol…”

O goleiro angustiado eram doze jovens negros. Na cal, na marca do pênalti, o Estado, representado por 30 homens fardados.

O estádio, a cidade do Salvador, na Bahia.

Foi Gol.

O técnico do time, o governador Rui Costa, vai mandar colocar uma placa no estádio, pra ele foi golaço. Tanto é que foi entusiasmado aos microfones e elogiou o seu plantel por “ter a frieza e a calma necessárias para tomar a decisão certa.”

Estamos a falar de mais uma de tantas chacinas ocorridas em Salvador, essa foi na madrugada de 06 de fevereiro.

A polícia alegou troca de tiro, mas só um lado foi alvejado, a maior parte dos tiros atingiram a cabeça, as costas e o peito dos jovens periféricos.

Testemunhas negam que houve troca de tiros e afirmam que alguns jovens forma assassinados já rendidos e desarmados.

Apenas dois deles tinham passagem pela polícia. Um porque havia se envolvido numa troca de socos durante um carnaval.

O número de mortos ainda é incerto e varia entre 12 e 16, todos jovens, pretos e pardos. Não havia entre eles nenhum bandido perigoso.

Demonstrando insensibilidade social e desprezo pela vida humana, foi o governador Rui Costa quem banalizou a chacina, comparando-a a uma partida de futebol.

Tudo pelo espetáculo.

O crime aconteceu no bairro Cabula e me deixou encabulado. Acreditava-se que Costa iria encarar de frente o extermínio da juventude nas periferias de Salvador, mas ele preferiu encarar de lado, do lado dos assassinos.

Sobre as bestas fardadas, Rui foi só elogios e disse que eles são “como um artilheiro em frente ao gol que tenta decidir, em alguns segundos, como é que ele vai botar a bola dentro do gol.”

A bola de Rui é a bala. O gol, a cabeça e o peito de uns molecotes sem camisa e de chinelos.

Pra deixar claro de que lado está o governador, olhemos para a arquibancada e vejamos o lugar que ele toma assento.

A polícia de Rui é boa porque mata no peito. Aos microfones, o governador petista conclui “depois que a jogada termina, se foi um golaço, todos os torcedores da arquibancada irão bater palma e a cena vai ser repetida várias vezes na televisão.”

Rui, como se vê, está a aplaudir de pé e pelo jeito a cena vai ser repetida várias vezes.

O partido de Rui está a ser julgado pela mídia e por setores do judiciário, muitos dos correligionários de Rui tem mesmo alguma culpa no cartório.

O que diria Costa se o jogo fosse contra o seu time e os artilheiros estivessem a matar todas no peito?

Senhor Rui Costa, não há pena de morte no Brasil, sua polícia não pode sair às ruas matando jovens da periferia de forma arbitrária, covarde e seletiva.

O presidente de seu partido e a presidenta de nosso país deveriam vir a público e condenar suas palavras de deboche e escárnio.

Quando um jovem branco, traficante de drogas contumaz e réu confesso, foi julgado e condenado por uma corte na Indonésia, a presidenta de nosso país pediu clemência.

É uma demência, senhor Rui, o senhor bater palmas para uma execução sem juiz, sem advogados, sem condenação, sem lei.

É altamente sintomática essa comparação de um traficante branco e 12 jovens negros. O branco é uma vítima, merece um psicólogo, uns cascudos, um perdão e uma nova chance.

Para os pretos bala.

A questão não é se os mortos eram ou não eram delinquentes, a questão é que os policias agiram ao arrepio da lei.
Lembro-me. Consternado, estarrecido, do filme Tropa de Elite I. Ali, policiais do BOPE são implacáveis contra o que eles chamam de traficantes; mas são implacáveis somente contra os “traficantes” da periferia, pretos e pardos.

Na Periferia, os heróis do capitão nascimento esculachavam com os traficas e demonizavam a traficância. Mas o garotão que traficava drogas na universidade recebeu de Matias, o policial negro, apenas uns cascudos durante uma passeata.

Matias, o policial negro, já havia flagrado o jovem branco com drogas na universidade, mas ele se contentou em dar uma lição de moral no moleque.

Na favela, era tiro no peito e na cabeça.

Numa operação em que Nascimento e seus homens flagraram uma rodinha de moleques usando drogas, eles chegando dando porrada e matam um favelado a tiros. Ao ver que havia um jovem da zona sul ali no meio, Nascimento lhe dá uns tapas na cara, esfrega o rosto dele no sangue do defunto e lhe dá umas lições de moral.

Age como um pai.

Contra o favelado baiano, deitado na laje do barraco, desarmado e com as mãos para o alto, Matias, o policial negro, atira na cara com uma escopeta.

O time de Rui é ruim pra cacete. E continua ganhado o jogo.

Palavra da salvação.

 

 

+ sobre o tema

Governo prevê mais de R$ 665 milhões em ações para jovens negros

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou, nesta...

A Sombra do Sonho de Clarice

O longa-metragem convidado para ser exibido no Lanterna Mágica...

Documento final da CSW leva parecer de organizações negras do Brasil

Em parceria estabelecida entre Geledés - Instituto da Mulher...

Refletindo sobre a Cidadania em um Estado de Direitos Abusivos

Em um momento em que nos vemos confrontados com...

para lembrar

Programa de pesquisa britânico é condenado por racismo contra médicos quenianos

Pesquisadores teriam sido passado para trás em promoções e...

Estudo sobre violência policial revela “racismo institucional” na PM de SP

Entrevista com Jacqueline Sinhoretto que revela: homens negros, sobretudo...

Quilombolas denunciam racismo institucional e perseguição a servidores no Incra de Sergipe

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas...
spot_imgspot_img

Refletindo sobre a Cidadania em um Estado de Direitos Abusivos

Em um momento em que nos vemos confrontados com atos de violência policial chocantes e sua não punição, como nos recentes casos de abuso...

Movimentos sociais e familiares de mortos em operações policiais realizam ato em SP

Um ato para protestar contra a matança promovida pela Polícia Militar na Baixada Santista está agendado para esta segunda-feira, 18, às 18h,  em frente...

O homem branco brasileiro de condomínio e o ato simbólico de “descer”

No documentário Um Lugar ao sol (Daniel Mascaro, 2009), sobre moradores de coberturas, temos um clássico exemplo de como a arquitetura brasileira revela a...
-+=