“Se ele fosse um menino branco isso teria acontecido?”

Mãe de adolescente agredido em unidade do Pão de Açúcar diz que o filho errou, mas atribui violência a racismo

Por Tory Oliveira Do Carta Capital

Reprodução/Facebook

“Será que se ele fosse um menino branco teria acontecido isso? Até quando as vidas negras serão pré-julgadas?”, questionou, por meio de uma postagem no Facebook, a microempresária Luciana Cruz, cujo filho de 16 anos foi agredido com socos, chutes e tiros de arma de pressão (airsoft) por três seguranças terceirizados pela empresa Grupo G8 Comando em uma unidade do supermercado Pão de Açúcar, no Jabaquara, zona sul de São Paulo.

O adolescente, que é negro, teria consumido chocolate e salgadinhos sem pagar. Até o momento, o relato já foi compartilhado 9,8 mil vezes.

Luciana conta que, ao chegar em casa, viu o rosto do filho machucado e questionou o que tinha acontecido. A princípio, com vergonha, o rapaz disse que tinha se envolvido em uma briga no bloco de carnaval. “Como ele é muito tranquilo, fiquei insistindo”. Foi quando o irmão gêmeo do adolescente contou para ela o que aconteceu.

Por telefone, Luciana relatou a CartaCapital que o filho foi até o estabelecimento, que fica próximo à casa e é frequentado pela família há anos, por volta das 23 horas do domingo 11. Dentro do supermercado, o garoto consumiu dois chocolates e um salgadinho e tentou sair do local sem pagar, mas foi abordado na saída da loja por três seguranças.

“Realmente ele cometeu esse erro, mas nada justifica a violência”, conta ela. “Mas na mesma hora disse que sabia o que tinha feito, que era errado e que iria pagar pelos produtos. Só que no mesmo momento quiseram levá-lo para uma sala”.

Temendo uma agressão a portas fechadas, o adolescente se recusou a ir e ameaçou gritar diante da aproximação do trio de seguranças.

“Um pegou ele pelo pescoço, viraram o braço dele pra trás, deram soco no nariz. Jogaram ele no chão, ficaram chutando a cabeça, as pernas, tudo. Um terceiro chegou próximo e ficou atirando nele com uma arma de airsoft. Ele gritava, pedia ajuda e os seguranças dizendo que ele iria apanhar ainda mais. Isso aconteceu durante 10 minutos, na frente de todos os caixas, dos clientes. Ele pediu ajuda, mas falou que a única pessoa que se aproximou, um senhor de cabelos brancos, cumprimentou os seguranças e ficou olhando”, relata Luciana, que não estava em casa no momento da agressão.

Após a agressão, o rapaz foi obrigado a arrumar algumas caixas de papelão que caíram durante a confusão. Depois, dirigiu-se ao caixa e pagou R$9,81, referente aos produtos consumidos: dois chocolates e um Doritos.

“E a todo momento, durante a agressão, ele foi chamado de malandro, de menino da quebrada, de favelado. Falavam que ele ia lá comer de graça. Pela cor dele, né?”, afirmou a mãe, que considera o caso racismo. Ao descobrir o que tinha acontecido, ela dirigiu-se imediatamente até a unidade e pediu esclarecimentos. Após ouvir um pedido de desculpas da gerência, dirigiu-se ao 26º Distrito Policial do Sacomã e registrou um Boletim de Ocorrência.

A empresa terceirizada responsável pela segurança na unidade, o Grupo Comando G8 afirmou em nota que os três funcionários foram desligados e que a empresa não permite o uso de armas de pressão (airsoft), fato que também será investigado.

“Eu sei muito bem o que é andar com duas crianças negras em uma farmácia ou em um supermercado. Desde pequenos, quando fazíamos compras ou eles corriam no mercado, o segurança já vinha tirar, achando que eles eram crianças de rua. Quando eu levo eles no médico, acham que eu sou uma funcionária de abrigo. Por que eles acham que os meninos pretos são sempre de rua ou adotados?”, critica Luciana, que pretende entrar na Justiça contra o supermercado.

Segundo a Atlas da Violência 2017, elaborado pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. O relatório final da CPI do Senado sobre o Assassinato de Jovens, divulgado em 2016, revelou o fator de risco de ser negro e jovem no Brasil: a cada 23 minutos, um negro entre 15 e 29 anos é assassinado.

Outro lado

Em nota, a assessoria de imprensa do Grupo Pão de Açúcar e a do Grupo Comando G8 comentaram o caso:

Grupo Pão de Açúcar: 

A rede informa que não tolera atos de violência e que repudia veementemente qualquer comportamento desse tipo em suas lojas. A conduta relatada não condiz com o procedimento exigido pela companhia, realizado pela equipe de segurança terceirizada contratada. Assim que tomou conhecimento do caso, a rede instaurou um processo interno de apuração, notificando a empresa a prestar todos os esclarecimentos e afastando imediatamente os envolvidos, até que o caso seja esclarecido junto aos órgãos competentes. Além disso, procedeu com o reforço dos processos internos de conduta. 

Grupo Comando G8: 

O Grupo G8 Comando, empresa que atua há 12 anos no segmento de segurança patrimonial, esclarece que não adota ou compactua com qualquer ato que ofenda a integridade física alheia nas operações de qualquer um de seus mais de 200 clientes. A empresa tem ainda uma escola de formação que não apenas treina profissionais para trabalhar com segurança patrimonial, como recicla periodicamente seus conhecimentos em busca de aperfeiçoamento contínuo. Além disso, o Grupo tem como missão maior a proteção da integridade física e do patrimônio alheio. 

O Grupo não tolera qualquer suspeita de desvio de conduta de seus colaboradores e, ainda em respeito às políticas exigidas pelo Pão de Açúcar para os seguranças em suas lojas, desligou imediatamente os três colaboradores envolvidos no relato da unidade do Jabaquara. Paralelamente a essa decisão, a companhia abriu uma sindicância interna para apurar o ocorrido e tomar as demais medidas necessárias.

O Grupo salienta ainda que trabalha dentro das determinações da lei 7102 e que não opera com armas de air soft, fato que também será investigado pelas partes. Por fim, a empresa reforça que a abordagem ocorreu no momento em que o jovem saía da loja com itens não pagos e que lamenta qualquer postura que tenha sido tomada por seus funcionários em total desacordo com as políticas do Grupo G8 e exigidas pelo Pão de Açúcar.

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