Ganhador do Oscar pela trilha sonora do filme Selma e uma espécie de “renascentista” do hip-hop, Common trouxe uma luz às nuances das discussões sobre raça e ativismo. Sua última contribuição a esse diálogo foi seu álbum mais recente, Black America Again, lançando em novembro e aclamado pela crítica como uma expressão musical das tensões do nosso tempo. É também um reflexo de conversas que ele teve com figuras importantes sobre a divisão racial nos EUA.
Fonte: EspnW
Uma dessas pessoas foi sua amiga de longa data Serena Williams. Após um ano no qual o mundo dos esportes foi dominado por protestos durante o hino nacional e debates sobre igualdade de pagamentos entre os gêneros, Common e a lenda do tênis se encontraram para uma conversa sobre fama, raça e gênero. Confira a seguir alguns trechos da entrevista para o site The Undefeated e o vídeo completo (em inglês) no final da matéria.
COMMON: Você sente que você e Venus abriram as portas para as mulheres negras no esporte?
SERENA WILLIAMS: Obviamente, tudo o que fiz foi com a ajuda da minha irmã Venus. Mas quando eu comecei, eu nunca pensei “eu quero abrir portas para atletas negros”, ou para atletas mulheres. Eu acabei neste caminho e as pessoas começaram a olhar de um jeito diferente para mim porque eu estava apenas sendo eu mesma. E as pessoas começaram a gostar; Eu estava tipo, “Uau, OK, isso é legal.”
COMMON: Foi um peso que você não sabia que teria de carregar?
SERENA WILLIAMS: Nunca pensei nisso como um peso. Acredito que Deus nunca lhe dá mais do que você pode carregar, e acho que não estou carregando sozinha. Eu abraço isso.
COMMON: Você já foi desencorajada, já sentiu como se tivesse muita responsabilidade ou que as pessoas esperam muito de você?
SERENA WILLIAMS: Só algumas vezes na quadra. Quando estou jogando uma final de Grand Slam é o momento em que sinto um monte de expectativas, é como se eu ouvisse “Serena, você prefere ter 22 títulos ou ter dois ou três e não criar tanta expectativa nas pessoas?” Eu meio que tento me virar. Isso é difícil para mim como uma mulher negra e para qualquer um que é negro nos EUA, representar este país quando estou jogando ou fazendo qualquer coisa.
COMMON: Quando foi que você se deu conta de que era negra?
SERENA WILLIAMS: Eu não sei. Eu sempre soube que eu era negra.
COMMON: Eu vou te contar quando percebi que eu era negro, quando eu tive ideia de que as pessoas me olhavam diferente por eu ser negro: Minha mãe me levou ao shopping junto com meu irmão de criação — era um bairro pequena e agradável — e na volta paramos em uma loja de doces. Ela nos deixou entrar—era um bairro predominantemente branco—e quando andávamos por lá pegando batatas fritas e doces e este garotinho branco falava “n-e-g-r-o, n-e-g-r-o”. E eu fiquei um pouco magoado. Me senti tipo “Sim, eu sou negro”. Eu tinha uns oito anos e este foi o momento que eu me dei conta que as pessoas me olhavam diferente pore u ser negro. Então este é o ponto: quando foi que você percebeu que te olhavam diferente por você ser negra?
SERENA WILLIAMS: Desde o primeiro dia em que entrei em cena … falo de quando eu era muito nova, porque eu ia aos parques de Compton para treinar e lá só tinha pessoas brancas jogando tênis, sabe? Então, pelo que me lembro, sempre soube que eu era negra. Sou diferente por causa do que faço. Mas eu também tinha a família ao meu redor e Venus também fazia isso, minhas outras irmãs também faziam isso.
Eu lembro que uma vez eu estava jogando e aqueles garotos chegaram por trás de mim e—eu tinha sete anos, provavelmente—e eles estavam me chamando de “Negrinha”. [Ambos riem.] Eu e Venus, e eles ficavam, “Negrinha e Negrinha.” Eu lembro de ter pensando, “Eu realmente não ligo”— e aquilo era algo muito louco para pensar naquela idade.
COMMON: Você acha que parte de sua sensibilidade e confiança vem do seu pai e de sua mãe? Porque ambos são inteligentes, fortes e abraçam sua negritude. Isso de alguma forma estimulou você e suas irmãs?
SERENA WILLIAMS: Eles sempre quiseram que nós fôssemos orgulhosas de quem somos e de quem fomos. Muitas pessoas negras, infelizmente, especialmente quando estão crescendo, são desencorajadas, tipo, “Você não tem uma boa aparência” ou “Seu cabelo não é bonito” ou “Sua pele é muito escura”. Sempre fomos ensinadas a amarmos a nós mesmas. Meu pai sempre dizia que tínhamos de conhecer a nossa história, e se você conhece seu passado, você pode ter um grande futuro. Então nós sempre assistíamos especiais de TV …
COMMON: Como Raízes (famosa série de TV exibida na década de 1980) …
SERENA WILLIAMS: Sim, assistimos todas essas coisas apenas para aprender sobre nossa história. Você cria orgulho, você vê todas as coisas que seu povo teve que supercar para ter uma oportunidade. Como aquele poema de Maya Angelou diz, que nós somos a esperança e o sonho do escravo. Se você pensa no que o escravo teve que supercar até chegar à vida que temos o privilégio de viver—eu não gostaria de ser de nenhuma outra cor. Para mim não há nenhuma outra raça que teve uma história tão dura por séculos e mais séculos, e só os fortes sobreviveram, então fomos os mais fortes e mais mentalmente resistentes, e eu realmente tenho orgulho de vestir esta cor todos os dias da minha vida.
COMMON: Como falamos sobre pessoas negras serem marginalizadas e mulheres serem marginalizadas, você não acha irônico que a mulher negra desta conversa seja a maior atleta de todos os tempos?
SERENA WILLIAMS: Eu penso que se eu fosse um homem, essa conversa já teria acontecido há muito tempo. Eu penso que ser mulher é apenas um novo conjunto de problemas com os quais a sociedade terá de lidar, assim como ser negra, então há um monte de coisa para tratar—e especialmente nos últimos tempos. Eu posso falar pelos direitos das mulheres por que acho que eles se perderam na cor, ou se perderam nas culturas. Mulheres construíram muito deste mundo e, sim, se eu fosse um homem eu seria considerada a melhor do mundo bem antes, há bem mais tempo.
COMMON: Você tem sido analisada minuciosamente desde que começou no tênis, certo? O que te permitiu lidar com isso?
SERENA WILLIAMS: Estou tão focada no que preciso fazer para ser a melhor que desde muito jovem, acho que aos 17 anos, parei de ler qualquer coisa sobre mim. Acho que isso me ajudou a evitar um monte de análises, e eu meio que me meti em uma bolha. Eu sinto que fui muito avaliada porque eu me sentia confiante – negra e confiante. E eu sou negra e sou confiante. Mas eu dizia: “Eu sinto que posso ser a número um” [Imita choque]. Bem, por que eu não deveria dizer isso? Se eu não acho que serei o melhor, por que eu jogo?
COMMON: Você foi analisada pelo seu corpo também. E isso é algo que muitas mulheres negras vivenciaram. Mas por você estar onde está, você em algum momento sentiu que precisava abraçar isso não só por você mas por todas as mulheres negras, de diferentes formas e tamanhos?
SERENA WILLIAMS: Houve um tempo em que eu não me sentia à vontade com o meu corpo porque sentia que eu era muito forte. Eu tive que parar por um segundo e pensar, “Quem diz que eu sou forte demais? Este corpo me permitiu ser a melhor jogadora que eu podia ser.”
E agora meu corpo tem estilo, e eu me sinto bem com ele. [Risos.] Finalmente eu tenho estilo! Demorou algum tempo para chegar lá. Sou muito grata pela forma como fui criada por minha mãe e meu pai para me dar essa confiança. Eu poderia ter sido desencorajada, e eu não seria tão grande como eu era porque eu teria feito exercícios diferentes ou coisas diferentes. Eu abraço totalmente quem eu sou e o que sou.