A estudiosa analisa em entrevista ao Correio a vulnerabilidade feminina, a classe média negra e o sistema de cotas
Por Adriana Izel
Pela primeira vez no Brasil, a socióloga norte-americana Patricia Hill Collins está entre as muitas mulheres que participaram do Latinidades – Festival da mulher afro-latino-americana e caribenha, realizado desde 23 de julho no Museu Nacional da República. A estaduniense disse que veio ao país para “aprender e passar o conhecimento” conquistado nos últimos anos.
Atualmente, Patricia, que é uma das principais teóricas do feminismo negro internacional, trabalha como professora de Sociologia na Universidade de Maryland, nos Estados Unidos. No currículo, Collins possui seis obras dedicadas a temática. Entre elas, a de mais destaque Black feminist thought(Pensamento negro feminista, em tradução livre), em que retrata o tema por meio das figuras de nomes como a conterrânea Angela Davis.
Durante encontro exclusivo, a estudiosa revelou ao Correio seus pensamentos sobre a vulnerabilidade feminina, a classe média negra, o sistema de cotas e, ainda, falou sobre a presidente Dilma Rousseff.
Você deu algumas declarações no passado falando que as mulheres são as mais vulneráveis no cenário de desigualdade. Por que isso acontece?
Acho que as mulheres negras são vulneráveis de forma diferente. Mas acho que não é uma boa ideia classificar quem é mais ou menos vulnerável, porque o que nós podemos fazer é colocar as pessoas contra as outras. Por exemplo, eu acho que as mulheres e os homens negros têm diferentes formas de vulnerabilidade quando se fala de violência. Os dois experimentaram a violência, mas de diferentes formas. Elas são diferentes, mas conectadas. Acho que precisamos ser cautelosos e identificar os problemas como violência, diferente acesso à educação, encarceramento, saúde e outras questões sociais antes de fazer um suposição de que um grupo é mais vulnerável do que outro. E isso não quer dizer que as mulheres negras não tiveram tantos desafios quanto os homens negros e as pessoas pobres em geral. Mas as mulheres negras fizeram isso ser mais visível e mostraram a conexão entre racismo, sexismo, diferença de classes e homofobia. Por exemplos, os homens não conseguem ver a violência que estão experimentando porque há uma questão de masculinidade, enquanto, para as mulheres é mais fácil porque elas são mulheres. São argumentos de gênero. Então, por isso é mais fácil ver isso em um grupo do que do outro. E isso coloca as mulheres em uma posição especial intelectualmente e politicamente para discutir o feminismo negro e trazer mais contribuições a discussão. Não simplesmente se colocar como vítima.
Por que os Estados Unidos conseguiram ter uma classe média negra e isso não aconteceu no Brasil?
Primeiro, eu não sabia que o Brasil tinha ideia que possuía pessoas negras. Os Estados Unidos têm um velho censo que passou muito tempo para identificar a população negra e para que a população negra soubesse que existia uma comunidade negra. Isso tem sido parte da história. O desafio que nos temos agora é unir aqueles que sofreram e os que foram deixados para trás. Você tem um problema diferente quando tem uma classe média. Não é só pensar que a classe média cresceu e que vai olhar para trás e ajudar a comunidade negra. É mais um crescimento individual. Como o presidente Barack Obama fez. Foi algo individual. E os negros podem pensar em querer atingir algo individualmente como ele fez. Essa é a pressão que temos nesse momento. O que é muito interessante para mim sobre o Brasil é que o país está em momento de organizar, ver os problemas juntos de forma conjunta e buscar uma mudança. Sendo que nos Estados Unidos precisa ainda ser estudado os desafios da classe média.
Qual é a importância para o Brasil ter eleito uma mulher ao governo?
Os Estados Unidos é um país racista e sexista e elegemos um presidente negro. A questão é quais oportunidades são abertas pelos nossos representantes e quais são fechadas por conta disso. As pessoas acham que a situação está melhor por causa disso. Elas têm uma imagem de que estamos em uma nova fase e de que está melhor. E, na verdade, esse é o nosso desafio.
O que você acha do sistema de cota para negros nas universidades?
É basicamente um programa de reparação porque historicamente os negros têm sofrido uma injusta descriminação. É totalmente correto pegar ações afirmativas para remediar, devolver, restituir, tornar melhor de alguma forma o dano que já foi feito. Então é perfeitamente normal reservar oportunidades para pessoas que não tiveram isso no passado. O problema é a resistência a esses programas porque muita gente acredita que o sistema já é justo e isso seria uma vantagem injusta em um sistema justo. Se você acredita que o sistema é justo, você vai odiar as cotas porque você terá que competir com mais pessoas e pode não conseguir entrar.
Fonte: Correio Braziliense