Segurança pública e genocídio negro no Brasil

Pacote anticrime garante licença para matar a policiais

por Douglas Belchior e Selma Dealdina no Folha de São Paulo

Imagem: Geledés Instituto da Mulher Negra

Temos um grave problema de segurança pública no Brasil. Mas, em vez de propostas baseadas em evidências que permitam diminuir o número de assassinatos e roubos e o tráfico de drogas, temos testemunhado investidas marqueteiras cujo objetivo é gerar maior sensação de segurança sem, de fato, possibilitar resultados efetivos.

O chamado pacote anticrime apresentado pelo ministro Sergio Moro, mesmo se não for a intenção, fortalece o crime organizado, beneficia a indústria armamentista e garante licença para matar a policiais.

Para ficar em apenas um aspecto, o excludente de ilicitude ampliado no pacote dá a militares e policiais civis a garantia de que não serão punidos ante a prática de homicídio. Se até agora policiais poderiam utilizar da força letal em casos extremos, o pacote amplia o direito de matar em termos genéricos como o de risco iminente ou impacto de forte emoção. Na prática, qualquer disparo policial pode ser legalizado. Essa medida é o respaldo legal para o comando que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e governadores como João Doria (PDSB-SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ) têm dado: policiais devem atirar para matar.

Em ação articulada, Bolsonaro prometeu recentemente alargar o excludente de ilicitude a produtores rurais em atos de defesa à propriedade. Com isso, fazendeiros que atirarem contra a população indígena, quilombola, ribeirinha ou camponeses sem terra estariam agindo sob proteção da lei.

A letalidade policial no Brasil já é altíssima: em 2017, 5.144 pessoas foram mortas por policiais. Especialistas e experiências internacionais apontam a necessidade de outro caminho que não o recrudescimento de leis e da atuação das Forças Armadas. Criminalidade se reduz com inteligência e racionalidade, não com truculência. Uma sociedade menos violenta se constrói a partir da distribuição de oportunidades, do fim dos preconceitos e de uma efetiva justiça social.

As principais vítimas de mortalidade em ações policiais são negras. Em São Paulo, estado com 39% de pretos e pardos, 64% das pessoas mortas por policiais em 2018 eram negras. No Brasil, em 2016, 71,5% das mais de 60 mil pessoas assassinadas eram pretas ou pardas. Um jovem negro é assassinado a cada 23 minutos. Pai de família é fuzilado com 80 tiros. E a solução apresentada pelo governo é legalizar o genocídio em curso.

A lógica racista que orienta a proposta precisa ser denunciada. São urgentes as políticas que interrompam os assassinatos de todas as pessoas, assim como são inaceitáveis os projetos que aprofundem o extermínio de uma parte da população.

Historicamente, o movimento negro tem-se organizado para interromper a herança escravocrata e racista que estrutura a sociedade brasileira. Em fevereiro deste ano, 39 entidades protocolaram uma denúncia dos aspectos racistas e genocidas do pacote de Moro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

A denúncia foi acatada, e uma comitiva foi convocada para participar de uma audiência pública na Jamaica nesta quinta-feira (9). Quatorze pessoas negras falam em nome das entidades que fizeram a denúncia, em nome dos 52% da população brasileira e em nome de todas as pessoas —negras, brancas, amarelas, indígenas— que não querem ser cúmplices do genocídio.

Leia também: 

OEA receberá movimento negro brasileiro para debater pacote anticrime de Moro

Movimento Negro Brasileiro é recebido pela Comissão de Direitos Humanos da OEA


Douglas Belchior

Professor, militante do movimento negro e membro-fundador da Uneafro-Brasil

Selma Dealdina

Assistente social, quilombola e secretária-executiva da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas)

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