Seis Poemas de Ronald Augusto

Ronald Augusto (1961) é poeta, músico, ensaísta.

Do Poesia Avulsa

As principais temáticas presentes em seu repertório intelectual referem-se à poesia contemporânea e à vertente negra na literatura brasileira.

Atualmente Ronald Augusto realiza palestras e oficinas/cursos abordando assuntos como música, poéticas contemporâneas, literatura negra e poesia visual.

Entre 2007 e 2012 manteve ao lado do poeta Ronaldo Machado a Editora Éblis, voltada para a poesia. De 2009 a 2013 foi editor associado do website www.sibila.com.br.

Tem colaborações (resenhas e artigos de cultura e arte) nos cadernos Cultura doDiário Catarinense e do jornal Zero Hora. Publicou, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992), Confissões Aplicadas (2004), No Assoalho Duro (2007), Cair de Costas (2012), Oliveira Silveira: poesia reunida (2012), Decupagens Assim (2012) e Empresto do Visitante (2013).

Dá expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com e é colunista do site http://www.sul21.com.br/jornal/ 

Os poemas abaixo foram selecionados especialmente para a revista POESIA AVULSA.

 

alvéolos ínferos

obra sucata de coração imprudente fez
               aquele não permitindo entre corpo
e linguagem sinal de menor cópula
               pensou ocupar-se apenas do espírito
atribuindo equívocos ao corpo
               e vocábulos atinados ao pensamento em repouso
mas agora o vento nos atormenta e
                nos faz presentes em meio a águas imensas
imaginamos o inimigo nas redondezas
                 e ele sem novas da guerra sequer nos pensa
nas ondas do aqueronte opulência sicária
                  naked egg insensato e levado de barca
ao mais turvo lordo da bocarra do inferno
                   setas inúteis o vencedor agitará
tendo em mira a sombra dos vencidos
                    ainda no palácio mudo de ramos e brisa
com desnecessária perícia  depelo congelado 
                    equipes rivais para distrair a eternidade
jogam um xadrez de dés no quadrículo interminável
                     uma folia de reis onde campeia o empate e
quizila sem margens jugulando talento
                      almas-rãs romaria serpente atada à
própria cola e às vezes à alheia
                      indo dar por círculos vagabundos em areia
incandescente com rastros de mais gente
 
 
_
 
 
cohab pestano
onde é pelotas, afinal de contas?
uns concordam que é no laranjal.
ou que é ali no mercado e suas imediações
a biblioteca o quindim de nozes.
os doces negros dos negros de pelotas
muitos juram que é onde pelotas.
têm aqueles que vão convencidos
de que pelotas é algo dos ramil.
de que pelotas agora é outra
que é outra onde angélica freitas.
onde é giba giba, afinal, pelotas?
é ainda pelotas ao final de tantas?
pelotas até cohab pestano
onde extremo o aeroporto é pelotas.
esgoto a céu aberto
onde o pestano a contragosto é pelotas.
onde é o povo negro no pestano
a poeira das ruas de terra e chão.
o ir e vir do povo do pestano
onde afinal é pelotas, a que eu sei.
 
 
_
 
alguém virá
quem virá lília ou manuel está
     contido em ipásia
da grávida ipásia digo
      quem virá manuel ou lília
o sonho de quem virá
       lília ou manuel em suas entranhas
quem virá manuel ou lília
       dorme no cerro de ipásia
alguém lília ou manuel
        vai surtir do encerro de ipásia
surtirá de ipásia surtidora
         alguém manuel ou lília
 
 
_
 
a música de moacir santos, como ela aparece
para kant não podemos coisar as coisas como elas são
se o alemão tivesse sido contemporâneo de moacir santos
talvez a coisa não fosse bem assim
o filósofo do idealismo ainda teria de sacar alguma coisa de música
afinal, isso é coisa de negro:
basta colocar um piano na frente deles (de um modernista de 22)
mas quando duke se viu cara a cara com um piano, disse:
isto não é piano, é sonhar, ouça…”
assim moacir santos com a boca em seus sopros
já que a tormenta essencial do corpo,
a música: graus de identidade em
impenetrável insubsistência
 
 
_
 
supor-se poeta ao invés de bebum
corajoso apenas o bebum solitário
não basta ter colhão para
bebendo em grupo sindicalizado
proferir asneiras na esperança intimorata
de que no momento
seguinte nossas necedades rebrilhem
à maneira de árduos achados
sem ninguém com quem dividir o próprio ridículo:
esse o bebum de verdade opulento no opróbrio
nem mesmo os heróis homéreos (remeiros subalternos
quando postos em relação com o solerte e laércio odisseu)
libando além do dionisiacamente tolerável
nem mesmo tal progênie sabia beber
em equipe bebuns se ombreiam
até o ponto em que um
graças ao virtuosismo
se destaca do restante
espécie de mártir que absolve
os que ficaram mais atrás
bebum de verdade bebe sozinho
se é para beber em grupo
que se beba junto com o vinho
ou a cerveja escura, que se beba junto
o riso de si mesmo de pacto com o vizinho
beber em grupo e dar-se em espetáculo (misto
de imolação e amolação)
é mais de envergonhado do que de sem vergonha
bebum de respeito bebe consigo mesmo
não obriga o cristão
a suportar misericordioso
sua cólica narcísica
o bebum sabe que não é poeta
bebuns supõem-se grandes poetas
_
subir ao passado
ao apartar a cunha da árvore
o verde debaixo das unhas
intérprete do rugitar de oito sílabas
no côvado de lado da velha cantica
inciso o ouvido porfioso
pérfido quando em revista
passa a commedia
ao modo de vaudeville
poeta Ronald Augusto

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