Setor privado tem oportunidade histórica para romper pacto racista

O impacto do racismo sobre a vida das pessoas negras se impôs, em 2020, como um tema inevitável de debate público em quase todas as regiões do mundo.

Aos dados que já vinham sendo coletados sobre a alta letalidade da pandemia de Covid-19 nas populações negras em países como Estados Unidos e Brasil, somou-se a onda de protestos decorrente do assassinato de George Floyd, durante uma abordagem policial no estado de Minnesota, nos EUA, em maio desse ano.

No Brasil não foi diferente. Os protestos massivos no mundo inteiro deram visibilidade a luta histórica dos negros brasileiros, para que o racismo estrutural seja considerado fator determinante das desigualdades sociais no Brasil. Como diz um manifesto recente da Coalizão Negra Por Direitos, “com racismo não há democracia”.

O retrato do país nesse aspecto, em que pese a maioria negra da população, é efetivamente desolador, e um breve olhar para a nossa realidade não deixa dúvidas: 71% das vítimas de homicídios são negras, a maioria jovens; 70,8% das pessoas em situação de pobreza são negras; apenas 5% dos cargos executivos em empresas são ocupados por negros e apenas 24% dos deputados federais se identificam como negros, para mencionar alguns dos dados existentes.

O setor privado vem sendo especialmente provocado por essa mobilização. O debate inovador trazido pelo decisão do Magazine Luiza de criar um programa de trainees exclusivo para formar lideranças negras e a tragédia do assassinato por seguranças a serviço da Rede de Supermercados Carrefour de João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, aumentou a pressão por medidas concretas.

A cobrança da sociedade e, em especial, dos diversos movimentos e coletivos de jovens negros que ganharam protagonismo na última década, exige que a agenda da igualdade racial entre na equação dos negócios, ao lado dos temas mais consagrados como sustentabilidade e educação.

O avanço de um setor filantrópico privado no Brasil se fez constante –ainda que tímido em relação ao tamanho da nossa economia e em comparação com a experiência internacional– ao longo das últimas duas décadas.

Desde 1995, o Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas) principal associação de investidores sociais privados do país, atua na promoção de uma cultura de doação e investimento social que esteja à altura dos desafios das desigualdades sociais no Brasil.

A agenda de justiça racial, no entanto, ainda representa uma parte ínfima desses investimentos, conforme dados coletados pelo Censo Gife, somente 2% têm foco prioritário na população negra. O lançamento recente de um Guia dos Investidores Sociais Privados (ISP) para o apoio à equidade racial, mostra o quanto o setor se viu desafiado a assumir o papel que se espera, de quem ocupa um lugar de tanto privilégio.

Empresas, fundações e investidores privados estão desafiados a criar áreas de investimento voltadas para a equidade racial, com garantia de acesso a recursos para organizações negras e soluções voltadas ao combate ao racismo estrutural. O setor privado e a sociedade têm hoje uma oportunidade histórica para romper com o pacto racista que persiste por tanto tempo no Brasil.

 

Atila Roque

É diretor regional da Fundação Ford no Brasil. Mestre em ciência política pelo IUPERJ (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e bacharel em História pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Ex-diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil e membro do conselho diretor do GIFE.​

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