Simone Biles amplia dificuldade de movimentos e explica motivo: ‘Porque posso’

Simone Biles, a ginasta mais vitoriosa de todos os tempos, é renomada por movimentos tão difíceis e tão distintivas, que diversas terminaram por receber seu nome.

No sábado (22), ela executou um novo movimento considerado tão perigoso que nenhuma mulher o havia tentado até então.

A nova manobra que ela dominou é conhecida como Yurchenko duplo carpado. Biles a tentou em competição pela primeira vez no U.S. Classic, seu retorno às disputas após 18 meses.

Biles mostrou o salto, um feito assombroso de força, forma física e destemor que tradicionalmente só homens realizavam, um dia antes, em um vídeo de treino que rapidamente ganhou circulação viral.


Simone Biles executa o Yurchenko duplo carpado, algo que nem mesmo Natalia Yurchenko tentou em competição – Emilee Chinn – 22.mai.21/AFP

O Yurchenko duplo carpado é considerado tão perigoso e desafiador que nenhuma mulher o havia tentado em competição, e é improvável que qualquer outra mulher da ginástica mundial esteja treinando para fazê-lo. Para executar o movimento, a ginasta precisa primeiro se lançar, apoiar-se sobre as mãos, de costas, na mesa de salto, e depois se impulsionar a uma altitude suficiente para permitir dois giros completos em posição carpada (corpo dobrado, pernas estendidas) antes de concluir a manobra pousando em pé.

É o tipo de manobra realizada com muito mais facilidade por atletas dos saltos ornamentais, que contam com a ajuda da gravidade e com a segurança de uma conclusão em superfície macia. Biles, porém, executa o movimento ao produzir força e velocidade suficientes para se lançar ao ar, e rodopia com tamanha rapidez em sua queda que a gravidade parece ter sido apanhada de surpresa. Aliás, não só a gravidade como muitos dos espectadores.

Nem mesmo a ginasta cujo nome define esse grupo de saltos, a russa Natalia Yurchenko, tentou em competição o que Biles fez. O duplo carpado leva o nome de Yurchenko porque foi ela a pioneira da técnica que conduz o atleta à mesa apoiado sobre as mãos e de costas para a posição inicial de salto; mas ela nunca fez o que Biles fez ao se lançar ao ar depois da passagem pela mesa.

Biles executou o Yurchenko tão bem no sábado que sua única falha foi exagerar na rotação. Isso quis dizer que, ao pousar, ela teve de dar alguns passos para trás a fim de controlar seu ímpeto.
Mas, assim que ela pousou, a pequena torcida presente ao Indiana Convention Center ficou frenética.

No entanto, os juízes que deram nota à apresentação da ginasta não pareciam tão impressionados. A despeito da dificuldade do movimento, eles lhe deram uma nota provisória de 6,6, próxima ao que os demais saltos de Biles conseguiram. Isso limita os pontos que poderiam ser atribuídos a uma ginasta por executar a manobra com sucesso, algo que Biles afirmou, frustrada, ser injusto para com ela.

“Acho que agora temos de nos conformar em receber os pontos que quiserem nos dar, e nem vale a pena se esforçar muito porque isso não será recompensado”, disse Biles sobre os jurados e, em última análise, sobre a Federação Internacional de Ginástica, que tem a palavra final sobre os valores iniciais de novos saltos executados em competição. “Por isso, é preciso aceitar a nota e ficar quieta”.

Biles declarou no sábado que a federação de ginástica também havia dado ao seu movimento na prova de trave, um duplo de costas com duplo twist, um valor inicial baixo demais, e que ela antecipa que seu Yurchenko duplo carpado também venha a ser avaliado por baixo quando for revisado.

Tom Forster, coordenador da equipe nacional de ginástica feminina dos Estados Unidos, concorda com Biles. Para ele, 6,6 não parece uma nota suficiente, tendo em vista a dificuldade do movimento. “Não parece coerente com os valores que eles atribuíram a outros saltos. Não sei por que eles agem assim”, disse Forster.

Parte do motivo pode ser uma preocupação com a segurança de ginastas menos habilidosos que Biles –ao atribuir a um movimento perigoso um valor inicial baixo, a federação estaria discretamente desestimulando o risco de outros atletas. Mas também pode haver medo de que Biles seja tão boa que ela varreria qualquer competição de que participasse ao simplesmente executar uma série de manobras que as rivais não são capazes, ou não ousam, tentar.

“As duas notas foram baixas demais, e eles sabem disso”, disse Biles, sobre a pontuação de sua apresentação na trave e do Yurchenko. “Mas eles não querem que os competidores se distanciem demais. É problema deles. Não é problema meu.”

“Criaram um código de pontuação aberta e agora se irritam por haver pessoas muito à frente das demais e se superando”, ela disse.

Simone Biles tem uma explicação simples para sua ousadia – Emilee Chinn – 22.mai.21/AFP

A despeito de não estar sendo devidamente recompensada, Biles, que vai defender em Tóquio seu ouro olímpico na categoria individual-geral, entre outras, disse que continuará com seus movimentos.

Questionada sobre a razão dessa ousadia, ela respondeu, rapidamente: “Porque posso”.

Tradução de Paulo Migliacci

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