‘Small Axe’ traz resiliência a histórias de racismo que poderiam ser apenas tristes

Steve McQueen, o diretor britânico premiado por “12 Anos de Escravidão”, já atentou em entrevistas para o paradoxo de que, embora se considere feliz, produz filmes peculiarmente soturnos. Sua nova incursão pelas telas, “Small Axe”, muda essa equação ao trazer resiliência e pontos de luz a histórias que poderiam ser apenas tristíssimas.

A série, que estreou no Globoplay na semana passada e tem episódios semanais, retrata em cinco capítulos descontínuos o preconceito e os obstáculos enfrentados pela comunidade caribenha anglófona —da região chamada de Índias Ocidentais na era colonial— no Reino Unido do final dos anos 1960 ao início dos 1980.

“Mangrove”, o primeiro exibido, acompanha o caso dos Nove do Mangrove, um grupo de artistas, ativistas e intelectuais negros que se encontrava num restaurante do bairro londrino de Notting Hill para ouvir música, falar de política, comer, beber e dançar —algo considerado inaceitável por policiais brancos racistas, que viam no local um antro de perdição.

Cansados das batidas injustificadas, eles decidem convocar um protesto diante da delegacia local, que evolui para um pequeno confronto. Os nove, entre dezenas, são presos, indiciados e julgados por tumulto e protesto violento por um juiz branco, numa corte tomada por advogados e procuradores brancos e um júri no qual todos, exceto um jurado, são brancos.

A história é real, e, como diz um dos muitos monólogos marcantes do filme, selaria uma mudança no acesso à Justiça no Reino Unido.

Não que as coisas tenham se resolvido aí —o dono do Mangrove, Frank Crichlow (Shaun Parkes, numa interpretação sutil e potente), continuaria a ser acossado até fechar seu restaurante. Mas a perspectiva mudou de forma inevitável, e a noção dos réus negros como sujeitos menores na corte foi irreversivelmente corrigida.

Para o espectador, especialmente o conhecedor das distorções do sistema brasileiro (e de outros tantos), são comoventes e reconfortantes as preleções de Altheia (Letitia Wright, de “Pantera Negra”) e Darcus (Malachi Kirby, da versão recente de “Raízes”).

Sendo um filme de McQueen, contudo, mesmo nos momentos mais otimistas não se apaga a noção de que os sistemas legal e jurídico é hoje a forma mais eficiente de se perpetuar a desigualdade social entre negros e brancos, o capítulo seguinte à escravidão.

Nesta sexta (5), vai ao ar “Lovers Rock”, história sobre a vida clandestina dos britânicos-caribenhos passada em uma única noite, e depois vêm “Red, White and Blue” (que fala novamente de violência policial e rendeu o Globo de Ouro a John Boyega) e “Alex Wheatle” (também sobre resistência), até culminar em “Education”, centrado em um garoto amadurecendo nesse mundo de contrastes

Repetida a pungência da estreia, a pentalogia pode nos certificar que, ao lado dos americanos Jordan Peele e Ava DuVernay, McQueen é um dos diretores mais relevantes desta geração.

‘Small Axe’ vai ao ar às sextas no Globoplay

 

Luciana Coelho
Editora do Núcleo de Cidades, foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.
Por Luciana Coelho, da Folha de S.Paulo

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