Só Deus por Sueli Carneiro

Fui assaltada em 31 de julho último. Um assalto padrão. Na rua, perto de minha casa. Um par de motoqueiros, uma falsa solicitação de informação sobre um endereço. Paro para atender. O indivíduo sentado atrás na moto desce, me pressiona contra um muro e começa a puxar minha bolsa. Com toda a irracionalidade que nos ataca nesses momentos resisto por intermináveis minutos enquanto escuto o homem á frente da moto em tom de ultimato dizer para eu soltar a bolsa. Não solto, e o agressor num gesto mais violento que me machuca a mão, arrebenta a alça da bolsa, monta no veículo e ambos desaparecem em velocidade, ao sol do meio dia, ou melhor ás 13:30 hs.

Por Sueli Carneiro

Seguramente me vigiaram no banco, donde eu estava vindo. Perceberam ou foram informados que eu fizera uma retirada significativa, me seguiram e num momento estratégico de meu trajeto que me pareceu lhes ser conhecido me encurralaram.

Sabiam o que queriam e onde estava. Sabiam também da impotência absoluta que acomete a todos que presenciam essa situação tal como ocorreu com meus vizinhos que inertes assistiram a cena torcendo, na melhor das hipóteses, que nada de pior me acontecesse, pois soube depois eles estariam armados o que, no meu desespero de salvar os compromissos aprazados no dinheiro guardado na bolsa, sequer percebi. Sabiam da ausência dos “vigilantes” da rua que invariavelmente estão em ronda nesse período exceto naquele dia.

A polícia, como sempre, apareceu quinze minutos depois de tudo consumado. Os vizinhos também, envergonhados, dizendo como eu fora abençoada por não ter sofrido uma violência maior e se justificando pela omissão declaravam que, nesses momentos, só Deus para nos acudir. Sim, de fato, só Deus. E eu lhe sou sinceramente grata. Más….

Seguindo o scrpit dessas situações, próxima parada Delegacia de Polícia. Outras oito pessoas relatando situações semelhantes algumas de maior gravidade. Uma delas acabara de escapar, por milagre, de seqüestro relâmpago. Outra moça fora violentamente espancada pelas três ladras que a assaltaram porque tinha apenas R$ 11,00 em sua carteira. O espancamento foi um corretivo para que ela da próxima vez portasse mais dinheiro para doar a essa modalidade de distribuição de renda.

Na estética do fato, um exemplo de nossa democracia racial e de divisão racial do trabalho: dois rapazes numa moto, um branco o outro negro ambos de capacete. O branco, que parecia o dono “dos meios de produção” daquela atividade: a moto e seus componentes, estava á frente, fora de meu campo visual, e conduzia a moto e a situação. O negro atrás no lugar do carona, encarregado da abordagem da vitima: intimidar e “aliviar” uma mulher negra que poderia ser sua mãe ou sua tia, da bolsa onde carregava, mais que dinheiro, o peso secular da história de mulheres negras chefes de família. Talvez do pouco a celebrar do mito da democracia racial seja a ausência de cumplicidade entre negros no exercício da violência, embora ela nos faça falta em outras dimensões de nossa experiência social.

O branco à frente “pronto para partir” – em todas as conjugações metafóricas as quais se presta esse verbo – sobretudo, se algo desse errado. O negro encarregado do “serviço sujo”: render, expropriar, agredir ou eliminar. E deixar a sua difusa e assombrosa imagem incrustada para sempre na mente de sua vítima. Confirmando assim a profecia auto-realizadora das teses lombrosianas.

No debate dos candidatos ocorrido no último domingo nenhuma referência sobre a questão da violência urbana e da segurança pública. Nenhuma promessa de nos arrancar da vulnerabilidade e impotência frente a violência da qual nos tornamos todos reféns. Continuamos nas mãos de Deus! Com veemência Ele nos pede para libertá-lo de responsabilidades que não são Suas e sim dos homens.

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