Sobre as mães de filhos mortos

minha mãe partiu, se eu fosse me lamentar hoje por isso estaria a falar de um filho e não de uma mãe.

Reprodução/ Twitter

Enviado por  Lelê Teles via Guest Post para o Portal Geledés 

quero falar da mãe.
é verdade que eu não tenho mais aquela mulher que eu ligava só pra ouvir a voz dela sorrindo:
“oi minha mãe”. “oi, meu filho”.
não, não vou falar daquela feliz-sorridente que tem o melhor filho do mundo e que é a melhor mãe do mundo.
essas que apareceram na minha timeline de hoje.
hoje sou solidário às mães que enterraram seus filhos.
hoje elas vão olhar pro telefone e seus corações irão chorar.
é antinatural demais uma mãe enterrar um filho.
tanto o é que não há palavra, em língua nenhuma, que tente sintetizar esse estado da alma.
é um significado sem significante.
porque se a mulher perde o marido, ela fica viúva.
se o filho perde a mãe, ele fica órfão.
mas como fica a mãe que perde o seu filho?
é tão grande o seu vazio que não cabe em uma palavra.
as periferias estão repletas delas, negras em sua maioria.
são milhões de Amarildos vitimados pela polícia, pela milícia, pela malícia do mundo cão.
são milhões de jovens negros e pobres condenados a morte sem pena.
milhões de mães com o coração partido.
não posso me esquecer, também, daquelas mães que, aos sábados, enfrentam filas nos presídios e passam resilientes pela humilhação da revista para visitar seus filhos presos.
muitos sem condenação, muitos com pena já cumprida, muitos inocentes.
uma grande parte envolvida em pequenos furtos, aviões do tráfico, trombadices…
tratados como feras.
sofrendo tortura, humilhação e comendo lavagem.
por isso, sábado é o dia do amor no presídio.
é dia de visita, é dia de ver a mamãe e chorar no colo dela, envergonhado.
mesmo os culpados, os criminosos, têm o afeto, o perdão e o amor de suas mães.
elas têm esperança.
é certo que enquanto umas umas esperam, outras desesperam.
tem também aquelas que seguram a onda sozinhas.
Chicão, o Papa, já o disse, não tem essa de mãe solteira porque mãe não é um estado civil.
mas falemos também das mulheres solteiras que criam seus filhos. as guerreiras.
chuva de flores pra elas.
quando uma mulher ganha um filho, ela perde algo muito precioso: o sono.
está sempre com um olho aberto e outro fechado, de sentinela.
quando os filhos vão crescendo, ela dorme acordada esperando-os chegar da rua.
e quanto mais velhos eles vão ficando, mais tarde eles chegam.
nunca mais ela dorme como dantes.
mãe é a materialização do amor, é o amor em estado puro.
um amor que dá sem esperar receber nada em troca. a mãe ama o filho de graça.
por isso, filho de mulher, não tenho inveja dos orgasmos múltiplos das mulheres, como o tem Caetano, tenho inveja é da maternidade.
de alimentar uma criança com o que tem dentro de mim, de produzir um maná cheio de amor e ver aquele serzinho comendo e me olhando nos olhos, pleno de gratidão.
tenho saudade da minha mãe, ela ficou solteira por um tempo, e ela também visitou um filho na prisão.
tenho saudade de minha mãe.
palavra da salvação.
** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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