Sociopatias & Criminalidade

(Foto: João Godinho)
Atire a primeira pedra quem não tem o seu sociopata de estimação na família. Basta olhar a parentada. Garanto que vai achar um.
Por Fátima Oliveira

Madrugada de 23 de junho. No ponto de ônibus, está Sirlei Dias Carvalho Pinto, 32 anos, empregada doméstica, que mora no trabalho, na nobre Barra da Tijuca, mas seu domicílio é Duque de Caxias, para onde pretendia se dirigir para arriscar uma consulta médica. Cinco universitários, saindo de uma balada, roubam a bolsa de Sirlei e a espancam. Acusados de tentativa de latrocínio (roubo seguido de assassinato), alegaram “aberratio delicti” (desvio do delito: erro por parte do criminoso quanto à pessoa da vítima).

Tentaram uma “actio nullitatis” (ação de nulidade), justificando que confundiram Sirlei com uma prostituta e como tal pode ser roubada, espancada e humilhada. Não se espante, não criamos nossas proles dizendo-lhe que as putas são a latrina da sociedade? Se não fosse, a prostituição seria respeitada como prestação de serviços, que de fato é. Prostitutas não vendem seus corpos, prestam serviços sexuais. Há mercado. É um comércio. Circulam textos indignados e diferentes opiniões (pasme!) sobre que destino dar aos criminosos (!).

Há um cujo título é “Você entregaria seu filho?”, que dispenso comentar. Renato Carvalho, o pai de Sirlei, o responde de modo lapidar: “Eu criei quatro filhos e nunca tive condições de dar uma bicicleta para eles, mas soube dar limites”. Há tentativa de linchamento moral do pai que, perplexo diante da selvageria do filho, e ignorante de que pode ter em casa um sociopata que chegou à delinqüência, disse o que sentia: “Eles não são bandidos. Tem que criar outras instâncias para puni-los. Queria dizer à sociedade que nós, pais, não temos culpa nisso”.

Penso que não cabe juízo de valor, por desconhecer quem deseja ter filhos bandidos. Ademais, vivemos num Estado de direito que assegura o direito de defesa para todos. Não é crime que familiares sejam provedores de advogados para seus criminosos. Temos um pai que, diante do “ab absurdo” (partindo do absurdo), poderá se deparar com o “ab aeterno” (de toda a eternidade; sempre). Há consenso científico: sociopatas são intratáveis, incuráveis e irreversíveis. Não há ex-sociopata.

Há estudos comprobatórios de que parte substancial dos alicerces dos desvios de conduta de pessoas de todas as classes sociais são as sociopatias – personalidade anti-social, ou narcísica, ou boderlaine. A ignorância sobre essa condição ainda é a regra. Precisa deixar de ser. Sociopatas não são doentes, mas portadores de personalidades bandidas e podem chegar ao banditismo. A única prevenção é “investir em educação, em atendimento à primeira infância, na aplicação das leis e em contenção”.

Sociopatas não adquirem limites e não os respeitam, pois para eles delinqüir é a regra. Quando não “contidos”, debandam para a criminalidade. Eis um assunto do qual não se fala. O diagnóstico não é feito. E as escolas e nem as famílias o reconhecem. E assim são mantidos os mitos das “causas sociais” (a pobreza, a miséria…) e do lastro social (a riqueza, o conforto material…) para explicar idéias preconcebidas e errôneas sobre a “criminalidade certeira” de pessoas pobres, em geral negras, e o “inusitado da criminalidade” das pessoas ditas nascidas em berço de ouro, em geral brancas.

As sociopatias atingem de 1% a 3% da população. Nos meios políticos, chega a 6%, pois sociopatas são ávidos por poder e buscam-no, de qualquer jeito, em todos os espaços, legais ou ilegais, de poder. Exibindo uma taxa de incidência de tamanha magnitude, atire a primeira pedra quem não tem o seu sociopata de estimação na família. Quem não sabia, ainda vai descobrir um. Basta olhar a parentada, em casa ou em volta. Garanto que vai achar. Urge reconhecer o eixo do debate. Sociopata deve ser punido segundo as leis em vigor no país e se vai “‘coisificar-se’ na barbárie das prisões brasileiras” é uma outra discussão que não deve interferir na aplicação da lei.

 

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