‘Sou um ativista com uma câmera’, diz fotógrafo de guerra

Por: CARLA RUAS
Direto de Charlottesville
 
 
 
Poucos conhecem o rosto do fotógrafo de guerra americano Stanley Greene, 63 anos, embora suas imagens sejam repercutidas por todo o mundo. E é assim que ele prefere. “Eu não quero ser famoso, quero que minhas fotos sejam famosas”, afirmou, durante o Festival de Fotografia Look3, nos Estados Unidos, onde foi homenageado.
 
A modéstia do profissional não combina com seu currículo. Greene é um dos fotojornalistas mais importantes da atualidade, tendo trabalhado em áreas de conflito como a Chechênia, Iraque, Líbano e Somália, além de Nova Orleans pós-Katrina. Suas fotos são regularmente publicadas em veículos renomados, como New York Times, e desde 2007 ele tem sua própria agência de imagens, Noor, com sede Amsterdã. Entre os prêmios que já recebeu estão o renomado W. Eugene Smith, em 2004, e o World Press Photo, que ele ganhou cinco vezes desde 1993.
 
Em entrevista exclusiva ao Terra, durante o Festival Look3, que é realizada na cidade de Charlottesville, no Estado da Virgínia, Greene afirmou que mais do que um fotógrafo, sempre se considerou um ativista político: fez parte do movimento Panteras Negras, protestou contra a Guerra do Vietnã, e um dos seus principais ídolos sempre foi Che Guevara. A diferença é que agora ele usa a sua câmera para lutar.
 
Terra – Como a sua história de ativista político inspira o seu trabalho como fotógrafo de guerra?
Stanley Greene – As duas atividades são muito parecidas. Ambas me possibilitaram lidar com a condição humana e testemunhar compaixão entre as pessoas. Eu ainda me sinto como um militante, mas a diferença é que hoje em dia eu tenho um outro instrumento para lutar: a câmera. Chega um momento na vida em que as pessoas têm que escolher as suas armas, e eu escolhi a câmera. No fundo eu não acho que poderia ter sido um verdadeiro militante revolucionário. Mas sou um militante que tira fotos.
 
Terra – Na guerra da Chechênia, entre a Russia e insurgentes separatistas, você claramente tomou partido pelos rebeldes. Você acha que essa foi uma decisão arriscada já que um repórter deve ser, teoricamente, imparcial?
Stanley Greene – A Guerra da Chechênia me lembrou muito a Guerra Civil Espanhola e durante os dez anos em que cobri o conflito me inspirei muito no Robert Capa (fotógrafo). Desde o início, Capa tomou partido pelos Republicanos e nunca foi isento de opinião. Sobre a mesma guerra (Civil Espanhola), Ernest Heminghway escreveu o romance Por quem os sinos dobram e também não foi imparcial. Às vezes a gente sente que tem que escolher um lado. Faz parte da natureza do homem. Tem certas histórias que te pegam de um jeito e não te deixam outra opção.
 
Terra – Uma de suas fotos mais controversas mostra os corpos de dois soldados americanos incinerados no Iraque em 2004. Foi difícil tirar essa foto? E nessas horas vale a pena o desgaste emocional do seu trabalho?
Stanley Greene – Alguém tem que tirar esse tipo de foto. É o único jeito de mostrar o que está acontecendo em determinados lugares. E eu não acho que uma foto vai mudar o mundo, mas talvez deixe alguém com muita raiva e acabe motivando alguma mudança. Quanto ao desgaste emocional, acho que não tem como ser fotógrafo de guerra sem sentir raiva e tristeza. Uma coisa vem junto com a outra.
 
Terra – Você se dedica a fotografar cenas de guerra mas resolveu voltar sua câmera para as consequências do furacão Katrina em 2005. Por quê?
Stanley Greene – Após o furacão Katrina eu não entendi como o governo dos Estados Unidos pôde deixar os seus próprios cidadãos sem assistência. Nós sempre fomos aquele país que dá dinheiro para ajudar outras sociedades e culturas a sobreviverem seus próprios desastres naturais. E quando acontece no nosso próprio país a gente deixa a peteca cair. Eu tinha que mostrar isso. Além do mais, chegando em Nova Orleans vi muitas cenas que se assemelhavam com um país atingido por uma guerra.
 
Terra – Após 30 anos na profissão, qual o seu maior arrependimento enquanto fotojornalista de guerra?
Stanley Greene – A gente basicamente faz uma escolha pela vida profissional ao invés da vida pessoal. É um verdadeiro sacrifício. O problema é que a gente abre mão de muita coisa e às vezes nem sabe do que está abrindo mão até que um dia é muito tarde para recuperar certos momentos e pessoas.
 
 
Fonte: Terra

+ sobre o tema

Yohan Blake, o homem mais rápido do mundo. Entre os mortais

Caro(a) leitor (a), não estranhe o título do...

Conheça o cantor Michael Kiwanuka

Filho de Ugandenses o britânico Michael Kiwanuka ficou...

A inserção do negro no futebol brasileiro

Considerado esporte de elite em seus primórdios, o futebol...

para lembrar

A trajetória do negro na literatura brasileira

Domício Proença Filho RESUMO ESTE ARTIGO busca traçar...

Unlocking The Truth: conheça banda de metal formada por meninos de 12 anos

Muitos músicos, quando relembram seu passado e como...

Espírito Santo recebe projeto de incentivo a cultura afro nas escolas

O ensino da história e da cultura afro-brasileira...

Os 7 melhores momentos de Michael Jackson

As músicas, os conceitos, as danças e as coreografias...
spot_imgspot_img

O vídeo premiado na Mostra Audiovisual Entre(vivências) Negras, que conta a história da sambista Vó Maria, é destaque do mês no Museu da Pessoa

Vó Maria, cantora e compositora, conta em vídeo um pouco sobre o início de sua vida no samba, onde foi muito feliz. A Mostra conta...

Morre Ykenga Mattos, que denunciou o racismo em seus cartuns, aos 71 anos

Morreu na manhã desta segunda-feira aos 71 anos o professor, sociólogo e cartunista carioca Bonifácio Rodrigues de Mattos, mais conhecido como Ykenga Mattos. Vítima...

Exposição revisita mostra A Mão Afro Brasileira, em São Paulo

Há 35 anos, o artista e museólogo Emanoel Araújo (1940-2022) fez a curadoria da icônica exposição A Mão Afro-Brasileira, para marcar o centenário da...
-+=