Encontro Niggaz mobiliza grafiteiros na zona sul de São Paulo

Em sua nona edição, evento realizado no entorno de estações de trem busca valorizar a arte e os artistas

Por Jessica Santos e Rodrigo Gomes

Cerca de 400 artistas de diversos pontos do país realizaram, neste final de semana (26 e 27), o 9° Encontro Niggaz. A ação dos grafiteiros ocorreu no entorno da Estação Autódromo, linha Grajaú-Osasco da CPTM, na região de Interlagos.

Mural a céu aberto vai sendo composto pelos mais de quatrocentos artistas (Foto: Rodrigo Gomes)
Homens e mulheres, artistas de todas as idades, dos mais variados lugares e estilos, se apropriaram dos muros da estação e de algumas casas e comércios locais. Alguns, com meticuloso processo de produção, realizavam medidas e marcações com giz ou carvão. Outros, mais ousados, criam direto no muro, conforme a ideia vem à mente. Rolinhos, latas de tintas e sprays são compartilhados por toda parte. Os desenhos surgem e se mesclam de tal maneira que ao fim do dia não se sabe quem começou e onde, é como se um completasse o outro. O resultado é um imenso mural de graffiti a céu aberto que chama atenção de todos que passam pelo local.

niggaz1Alexandre da Hora, o Niggaz, foi um jovem precursor do graffiti no Grajaú e começou a produzir em 1995, aos 13 anos de idade. Mauro Neri, 31, um dos organizadores do encontro, o define como “um jovem inteligente e tímido, muito espontâneo e com arte muito apurada”. Niggaz grafitou em diversos locais da capital paulista e do interior. Chegou a produzir ilustrações para revistas e jornais. Ele influenciou muitos grafiteiros da sua geração e continua a influenciar até hoje, já que muitos dos presentes no evento eram jovens na casa dos 20 anos. Niggaz faleceu em 2003 na represa Billings, vítima de afogamento.

A arte que cobria muros podia ser vista, também, no corpo dos artistas (Foto: Rodrigo Gomes)
Em 2004, um grupo de jovens que conviveu com Niggaz resolveu realizar um encontro que homenageasse o talento e a memória dele. “Ele era emblemático desde o nome [Niggaz significa irmão, entre a população negra estadunidense]. Somos vários Niggaz. Então esse evento homenageia ele e, também, a memória de todos os artistas”, diz Neri. O 1° encontro, realizado no Jardim Lucélia, reuniu cerca de 100 artistas e foi além da expectativa. Com o passar dos anos a presença de grafiteiros só aumentou. Desde 2010, os encontros têm sido realizados no entorno de estações de trem.

niggaz-2Embora o cenário do graffiti ainda seja dominado pelos homens, foi possível observar um número expressivo de mulheres participando do evento. Júlia Figueiredo, 20, veio do centro de São Paulo para deixar sua marca no Niggaz. “A relação com os meninos é ótima. ‘Os caras piram’ vendo uma menina grafitando. Todos se ajudam, dão dicas, trocam experiências”, diz Júlia, que participou pela primeira vez do evento. De acordo com ela, a cena do graffiti em São Paulo é muito forte. “Faz um ano que grafito. Vim de Minas [Gerais] e lá não tem ações como essas. Aqui sempre tem um evento de graffiti”, completa.

Júlia, moradora do centro, veio ao extremo sul da cidade para o 9º Niggaz (Foto: Rodrigo Gomes)
Segundo Wellington Neri, o Tim, 27, também organizador do evento, o objetivo é proporcionar um espaço de convivência e troca de saberes. “Uma cena que me lembro até hoje foi no 7° Niggaz. O John Howard, um dos pioneiros do graffiti, pintando ao lado do Caíque, que tinha 12 anos e era a primeira arte dele”, diz. Embora muitos muros sejam reservados previamente, todos que chegam para pintar são recebidos e orientados para espaços ainda vazios. “Todo mundo que vem pintar aqui, seja o cara mais consagrado ou o cara que está começando, tem seu espaço. A gente quer valorizar a arte e os artistas”, completa Tim.

niggaz-3Pode-se dizer que o encontro mexe com a comunidade. Os organizadores articulam-se com os moradores, a CPTM, a Subprefeitura, a Polícia Militar e os comerciantes. E os recursos vão de doações de tinta e alimentos a investimento dos próprios organizadores. Para o 10° encontro, no ano que vem, espera-se produzir uma publicação que registre a história e os trabalhos do artista Niggaz. “Ele foi um grafiteiro de vanguarda. Hoje é muito difícil encontrar uma obra dele na cidade. Vamos preservar a história e o trabalho dele que são muito importantes para história do graffiti como um todo”, conclui Tim.

 

 

Fonte: Spressosp

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