Orun Ayé – ‘O Lado Negro do Brasil’

Por: Pedro Migão

 

Neste domingo, a coluna “Orun Ayé”, do compositor Aloísio Villar, mostra um pouco da contribuição negra ao Brasil.

Na foto acima temos cinco baluartes do samba carioca: Paulo da Portela, Heitor dos Prazeres, Gilberto Alves, Bide e Marçal. Alves, a propósito, é considerado o primeiro a gravar um samba de enredo em disco.

O Lado Negro do Brasil Prazer, meu nome é Aloisio Villar de Oliveira, tenho 35 anos, compositor de samba-enredo e sou negro.

Sim, sou negro. Você não está vendo? Procure uma foto minha que vai rapidamente notar. Aliás, você também é negro, sabia? Seus familiares são negros, o dono desse blog é negro, o Brasil todo é negro… Até o Pelé é negro !!
Somos mestiços, cafuzos, mamelucos, mulatos, índios, negros, só não somos brancos. Não pertencemos à “raça pura”, não somos arianos: no nosso sangue correm vários tipos de sangue – o que as letras de samba-enredo costumam chamar de miscigenação.

Aliás, acho que só em samba-enredo ouvimos essa palavra, ou então sobre Mauricio de Nassau.

O Brasil negro dos africanos que começaram a chegar aqui escravos para construir a nação que temos hoje, que pode ainda não ser grande coisa, mas é uma nação. Negro que trabalhou na lavoura, fez de suas mãos surgir açúcar, café, legumes, frutas, construiu cidades e trouxe sua religiosidade para entrar na cultura brasileira.

Negros que introduziram em nossa história nomes como Oxalá, Ogum, Exu, Iansã, Obaluayê, Iemanjá, seus cânticos, “pontos”, saudações em preces e cantos. Com o tempo conquistaram inúmeros adeptos no sincretismo.

Trouxe o atabaque e o “semba” que virou samba ao som do surdo. Agogô, tamborim, caixa e vozes em alguma casa de uma negra que servia a todos com cachaça e feijoada.

E a feijoada?

Ganhou as mesas brasileiras não importando a classe social. O feijão preto acompanhado de couve, farofa, laranja, arroz branco, torresmo, paio e tudo do porco que possa imaginar. Focinho, pé, orelha, eu não curto esses “ingredientes extras”, mas muita gente gosta [N.do.E.: eu sou um deles, feijoada para mim tem de ter pé, orelha de porco e ainda dobradinha]. A feijoada negra se transformou no principal prato da culinária brasileira.
Assim como os negros enraizaram no Brasil o samba. O balanço da mulata, o bailado do mestre sala cortejando a porta bandeira, o swing do passista, requebrado que só o negro tem. As escolas de samba dos negros Natal e Paulo da Portela…

“Oke Oke Oxossi,
faz nossa gente sambar,
Oke Oke Natal,
Portela é canto no ar” Os negros Candeia, Cartola, Jamelão, dona Zica, dona Neuma, Wilma Nascimento, dona Ivone Lara, Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola, Aroldo Melodia, Clara Nunes, Neguinho da Beija-Flor e muitos outros. Baluartes, senhores e senhoras do samba que construíram tudo que nós vemos hoje.

Todo esse espetáculo pirotécnico que hoje é feito para turistas, endinheirados e brancos foi construído tijolo a tijolo por negros e muitos hoje não tem dinheiro nem para desfilar nem para assistir. A Sapucaí é fria, é gelada como uma modelo loira européia, não tem a desenvoltura da mulata, seu fogo e amor ao samba.

Negro canta como Jamelão, Tim Maia, Jorge Bem, Emilio Santiago, Gilberto Gil, Clementina de Jesus, Martinho da Vila, Tony Tornado, Elza Soares e Wilson Simonal, toca como Pixinguinha, escreve como José do Patrocínio e Machado de Assis e personagens negros de Jorge Amado que ganharam nossa imaginação.
Guerreiros como Zumbi dos Palmares e Anastácia que não se deixou escravizar, que nos fez gargalhar como Grande Otelo, Mussum, Tião Macalé e Jorge Lafond, entreter como Milton Gonçalves, Chica Xavier, Ruth de Souza e Antonio Pitanga, nos apaixonou como Adele Fátima, Camila Pitanga, Taís Araújo e vibrar como João do Pulo, Adhemar Ferreira da Silva, Anderson Silva… Os jogadores de futebol, na maioria negros pobres que alcançaram sucesso e fortuna representados por Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, simplesmente o melhor jogador de futebol da história.

Devem estar se perguntando porque esse assunto hoje. Semana passada eu vi um filme chamado “Tempo de Matar” com o fantástico Samuel Jackson, que contava a história de uma menina de dez anos negra estuprada por dois homens brancos, surrada e humilhada. O pai não agüenta essa dor e mata os dois estupradores quando eles estão entrando no tribunal.

O filme todo envolve a questão do direito do pai fazer isso ou não. O pano de fundo é o racismo, a Klu Klux Klan e enraizado na alma aquele sentimento que quase todo mundo tem em relação a algo, mas tem vergonha de ter que é o preconceito. Lembro que preconceito e racismo são duas situações diferentes: preconceito é não gostar de algo, racismo é se achar superior.

Preconceito que fica evidente quando o advogado de defesa pede para os julgadores e a todos que assistiam a cena fechassem os olhos e descreveu toda a cena do estupro com grande dose de emoção. Ao final disse apenas: “imaginem agora que a vítima é branca”, provocando susto em todos.

Fiquei com o filme e essa situação na mente. Até onde somos diferentes devido a nossa cor de pele? Sim, existem diferenças não tem como tapar o Sol com a peneira: dependendo da cor da pele você tem mais ou menos oportunidades na vida, você ganha mais, mora melhor ou toma “dura” da polícia se andar na rua de madrugada.

Vai mudar um dia? Não sei.

Cento e trinta anos atrás o negro morava numa senzala, era achincalhado e nada recebia. Hoje mora em favela, é achincalhado e ganha mal. Branco quando corre é atleta, negro foge da policia, é assim que diz a piada politicamente incorreta e que as vezes nos pegamos contando e rindo com amigos.

Assim como muita gente viu o título da coluna e pensou que eu falaria mal do Brasil ao usar a expressão “o lado negro”. Lado negro, humor negro, passado negro, tudo isso representa o ruim. Alma branca é alma pura, preto de alma branca é o racismo em forma de ditado.

Branco e negro, branco e escuro, branco e preto… Para mim são cores como azul, amarelo, verde e tantas outras.

Um dia, quem sabe nas futuras gerações o conceito de cor cai e predomine o de raça: principalmente que existe apenas uma raça.
A raça humana.

Sim, sou negro com muito orgulho e sou da raça humana. Tributo a Martin Luther King (Wilson Simonal/ Ronaldo Bôscoli) Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!

Sim, sou um negro de cor
Meu irmão de minha cor
O que te peço é luta sim
Luta mais!
Que a luta está no fim…

Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Oh! Oh! Oh! Oh!

Cada negro que for
Mais um negro virá
Para lutar
Com sangue ou não
Com uma canção
Também se luta irmão
Ouvir minha voz
Oh Yes!
Lutar por nós…

Luta negra demais
(Luta negra demais!)
É lutar pela paz
(É Lutar pela paz!)
Luta negra demais
Para sermos iguais
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Para sermos iguais
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!

 

 

Fonte: Advivo

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