SP registra recorde de medida protetiva, ordem judicial que afasta agressor

Casos de mulheres agredidas por companheiros são uma epidemia no Brasil. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o país registra em média um boletim de ocorrência por violência doméstica a cada dois minutos. Ao mesmo tempo que esse número segue alto, as vítimas se mostram cada vez mais conscientes de seus direitos.

No maior estado do Brasil, São Paulo, o salto no número de medidas protetivas — decisão que proíbe o agressor de se aproximar da vítima — desde a criação da Lei Maria da Penha, em 2006, é notório. Os processos em que havia pedido das medidas foram de 28, há 16 anos, para 73 mil em 2020. O primeiro semestre de 2021 mostra que um novo recorde poderá ser batido: até junho, foram 41 mil processos e 32 mil concessões, um aumento de 20% em relação ao mesmo período do ano passado para os dois casos.

Os dados foram levantados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a pedido de Universa.

“Embora ainda haja uma distância entre a lei e sua aplicação na prática, pode se dizer que as mulheres estão mais cientes dos benefícios que as medidas protetivas podem lhes trazer”, afirma Fabiana Dal’Mas, promotora de Justiça de enfrentamento à violência doméstica do do Ministério Público de São Paulo (MP-SP).


“Medida protetiva é mais uma prova para condenar o agressor”

As medidas protetivas fazem parte da Lei Maria da Penha e desde 2018 é prevista a possibilidade de prisão preventiva do agressor caso descumpra a regra. Isso não significa, porém, que toda violação da protetiva acarretará em prisão.

“Prender é exceção no nosso sistema jurídico, então muitas vezes, quando há desobediência, o agressor é chamado para uma audiência de advertência primeiro”, explica Dal´Mas.

Mesmo que em algumas situações o homem não seja repreendido — o que a promotora diz ser uma exceção — é importante para a mulher que denunciar pedir a medida protetiva. “Na grande maioria dos casos, elas são efetivas. Mesmo que o agressor seja destemido, que diga que ‘é apenas um papel’, não é. É uma ordem judicial que empodera a mulher a chamar a polícia ou a guarda civil a qualquer momento para ajudá-la, uma vez que seu descumprimento caracteriza crime”, afirma.

Além disso, diz, o documento é anexado ao inquérito e se torna mais uma prova para condenação do agressor, já que é uma comprovação judicial de que a mulher está em risco.

Dal´Mas ainda ressalta que, segundo a pesquisa “Raio-X do Feminicídio“, divulgada pelo MP-SP em 2018, entre as mulheres mortas no Estado por um companheiro ou ex, 97% não tinham medidas protetivas. “Quase todas as vítimas não tinham essa proteção. Podemos concluir então que a medida realmente pode salvar as vidas das mulheres.”

Em agosto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou uma recomendação aprovada por unanimidade estabelecendo prioridade para casos de descumprimento de protetivas. Na prática, o Judiciário deve, portanto, punir os agressores de alguma maneira o mais rápido possível. Segundo o conselho, é preciso zelar pela efetividade da proteção das vítimas.


Falhas na aplicação da lei custam vidas

Ainda que proteja milhares de mulheres Brasil afora, há relatos de vítimas que se sentem desprotegidas mesmo com medidas protetivas em mãos. E à mercê do agressor que chega a ofender, ameaçar e agredir de maneira recorrente. É o caso da empresária e professora Mayara Duarte Calderone, 37.

Casada há 13 anos, decidiu se separar no final de 2017 e passou a ser ameaçada pelo companheiro. “Ele começou a me perseguir, tentou me atropelar, me atingiu com o capacete”, diz. Mesmo após denunciá-lo e protegida pela medida, continuava recebendo ataques. “Mas aí eu ia na delegacia, perdia um dia, ninguém fazia nada.”

Em 29 de agosto, ela conta ter sido vítima de agressões do ex, que chegou a ajoelhar na cabeça dela, pressionando a contra o asfalto. Mesmo com hematomas e provas da violência, não houve nenhum tipo de represália ao ex. “Participei da audiência do processo de violência doméstica anterior a esse episódio, que foi aberto em 2018. Tentei falar sobre o que havia sofrido mas o juiz não quis nem saber. Uma hora até falei: ‘Vocês estão esperando o quê? Ele me matar?'”

Calderone publicou seu relato nas redes sociais e acredita que ao contar sua história pode, de alguma maneira, chamar a atenção para as falhas da legislação brasileira. “Minha vida acabou. Não consigo mais trabalhar, ver meus filhos. Infelizmente, para mim a protetiva é um pedaço de papel apenas.”

“Eu ainda sou uma pessoa instruída, sei dos meus direitos, estou tentando buscar Justiça de diversas formas. Mas imagina a mulher que está totalmente desamparada, que não tem dinheiro nem para a condução até uma delegacia?”

Para a juíza Teresa Cristina Cabral Santana, conceder a medida é importante e necessário, mas em algumas situações não é suficiente. “Precisamos olhar para políticas públicas de enfrentamento, de prevenção, como casas de acolhimento”, afirma.

Ela acredita também que, por ser um problema complexo, é preciso outros caminhos para que o número de casos diminua. Mas deixar de procurar ajuda não deve ser uma opção.”O silêncio não é um caminho. Se a mulher não procura ajuda, a violência tende a continuar ou até piorar”, afirma Cabral, que é integrante da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo (Comesp).

Como procurar ajuda

Se você está sofrendo violência doméstica ou conhece alguém que esteja passando por isso, pode ligar para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher. Funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O serviço recebe denúncias, dá orientação de especialistas e faz encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. O contato também pode ser feito pelo WhatsApp no número (61) 99656-5008.

Para denunciar, procure a delegacia próxima de sua casa ou então faça o boletim de ocorrência eletrônico, pela internet. O pedido de proteção é enviado imediatamente ao juiz, que tem até 48 horas para atender a solicitação. Em alguns casos, a medida é concedida pela própria autoridade policial.

Caso tenha receio de procurar uma delegacia, é possível procurar o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) da sua cidade. Em alguns deles, há núcleos específicos para identificar que tipo de ajuda a mulher agredida pelo marido precisa, psicológica ou financeira, por exemplo, e dar o encaminhamento necessário. Também é possível realizar denúncias de violência contra a mulher pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil e na página da Ouvidoria Nacional de Diretos Humanos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

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