Eles se manifestam diante das câmeras de TV suas boas intenções, de agilizar o retorno do auxílio emergencial e de acelerar a vacinação contra a Covid-19.
Mas tudo continua rigorosamente paralisado, como no caso do auxílio emergencial. Ou caminha em ritmo lento —o Brasil, país internacionalmente reconhecido pelo sistema de saúde que consegue vacinar 1 milhão de pessoas por dia, está atuando de maneira extremamente descoordenada e lenta, em plena pandemia.
Tudo em compasso de espera, enquanto não se assegura que as reformas impostas pelo “mercado” serão realizadas.
Essa paralisação e lentidão tem muitos cúmplices e poderosos pagantes, que mantêm a política de morte, hoje em curso no país.É urgente que o auxílio emergencial de R$ 600 seja retomado.
Hoje, o único mecanismo abrangente de transferência de renda para a população pobre do país é o Bolsa Família, defasado e incapaz de atender as necessidades, antes mesmo da pandemia. Daniel Duque, economista da Fundação Getulio Vargas, ressaltou recentemente que, caso o auxílio emergencial não seja retomado, a proporção da população em situação de pobreza extrema pode dobrar no país em comparação com 2019, chegando a mais de 20 milhões de pessoas descendo, em 2021, à condição de extrema pobreza.
O auxílio emergencial teve efeito importante na proteção das mulheres, em especial das mulheres negras, mitigando o aumento da desigualdade na pandemia, segundo o Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da USP.
Enquanto eles negociam, tem gente com fome…tem gente morrendo…Segundo a revista IstoÉ Dinheiro, existem hoje em tramitação no Congresso Nacional quatro projetos pedindo a volta do auxílio, mas a pergunta que fazem é: de onde tirar os recursos para viabilizar o auxílio emergencial?
A equipe financeira, setores da grande imprensa e forças alinhadas aos interesses do mercado financeiro defendem a manutenção do teto de gastos públicos, a redução do tamanho do Estado, com diminuição e precarização do funcionalismo, e um pacote de privatizações. O problema é apresentado pela mídia de tal forma que só cabe essa solução “liberal”.
No entanto, há muitas outras propostas, que se originam da sociedade civil organizada, que apontam como solução uma reforma tributária progressiva, que inclua a taxação das grandes fortunas, prevista na Constituição Federal, bem como a quebra das regras atuais do teto de gastos.
Para o professor Eduardo Fagnani, da Unicamp, o pagamento do auxílio emergencial poderia ser custeado com a taxação sobre grandes fortunas. O sistema tributário brasileiro é dos que menos incidem sobre a renda e o patrimônio. Se dermos como exemplo os EUA, esses dois itens representam 60% da arrecadação total de impostos.
No caso do Brasil, são apenas 23%.Vale a pena ler documento que reúne oito propostas de leis tributárias para isentar os mais pobres e as pequenas empresas, feito por especialistas do campo da economia de diferentes instituições.
Eles salientam que é possível ainda gerar um acréscimo na arrecadação estimado em R$ 292 bilhões, com tributação sobre as altas rendas e o grande patrimônio, onerando apenas o 0,3% mais rico.
Não há lógica para o fato de que os imensos desafios enfrentados pelo país neste momento não incluam a participação dos segmentos mais abastados, principalmente daqueles que lucraram na pandemia. De alguma forma temos que romper com a perversidade que caracteriza o sistema econômico, político e social no qual vivemos, que vem prescindindo da ética, da honra e dos valores comunitários. Tem gente com fome, tem gente morrendo, não podemos esperar.
Cida Bento
Diretora-executiva do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP