Grafiteiro há 17 anos, ele conta sobre seu trabalho e os desafios enfrentados por artistas na maior cidade do país
Por Mayara Paixão, do Brasil de Fato
Dos 30 anos de idade do pernambucano João Belmonte, ele passou ao menos 13 tendo o graffiti como protagonista do seu dia a dia. Com a arte, aprendeu a importância de se posicionar politicamente, os desafios de obter respostas do poder público e as diferenças que separam artistas pela cor da pele. A partir daí continuou usando o graffiti como instrumento para provocar as pessoas e as instituições.
Hoje, o artista visual é conhecido pela maioria como Tody One e tem como campo de atuação principal o bairro de Guaianases, no extremo da zona leste de São Paulo (SP). Uma de suas obras mais conhecidas é o Gigante da Escadaria, que deu novo visual e ressignificou uma viela da região para os moradores.
Em julho de 2017, também participou da criação de mais um ponto de difusão de cultura na cidade: o Ateliê Griot Urbano, estimulando a representatividade de pensadores, artistas e escritores negros.
Em conversa com a Rádio Brasil de Fato, Tody One compartilhou as dificuldades enfrentadas enquanto artista da periferia, a relação que vê entre arte e política e o papel do graffiti nos centros urbanos.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: Nos conte um pouco como surge e o objetivo do Ateliê Griot, por favor…
Tody One: O Ateliê Griot urbano teve início em 2016 junto com meu amigo Nômade Griot. Nós temos algumas atividades de trabalho com arte-educação e arte urbana e vimos a necessidade de diálogo no nosso próprio bairro [Guaianases], que não tinha. A gente era educador na Cidade Tiradentes, em Itaquera e em outros bairros, mas onde morávamos nunca tínhamos atuado.
Tivemos essa iniciativa de fazer algumas atividades com as crianças e um diálogo de arte negra e política. Fazemos alguns encontros e trazemos alguns artistas para trocar uma ideia, falar sobre política nesses tempos atuais.
O Ateliê fica próximo da escadaria e ela, depois do graffiti, virou um ponto turístico, e a gente conseguiu que um vereador fosse lá visitar o espaço e ouvisse os moradores. Essa escadaria é bem antiga, tem mais de 60 anos, mas não tinha corrimão, e os degraus eram todos irregulares. A partir do graffiti, conseguimos essa proximidade com o poder público, que já iniciou algumas obras para revitalizar a escada.
É legal que a gente, como arte e militância de periferia, fez com que chegasse uma melhoria para um lugar que antes não era olhado.
Vocês também trazem uma proposta, de preocupação grande, com o incentivo à leitura, em especial de autores negros, certo?
Exatamente. Um dos poetas que mais escrevo nas ruas é o Sérgio Vaz. Tem uma galera do meu bairro que o conhece sem saber quem é ele por conta das poesias que escrevo nos muros.
A proposta é exatamente essa: dar essa autonomia aos artistas negros e fazer com que eles tenham voz. Temos um projeto chamado Geloteca, no qual a gente pega geladeiras velhas, grafita elas e coloca em lugares ociosos e escolas.
Em Guaianases, temos cinco geladeiras espalhadas e um total de 17 geladeiras espalhadas pela cidade com essa proposta de fazer pontos independentes de leitura além das bibliotecas públicas. A galera tem livro para doar, coloca na geladeira e a própria população faz essa troca de livros.
O graffiti é uma arte que ocupa o espaço urbano e público, mas por fazer as pessoas não compreendem isso. Como você entende essa discussão e quais desafios já enfrentou?
Enfrento vários. Nessa atualidade de conjuntura política, quem se posicionou são poucos grafiteiros de São Paulo, que bateram de frente. Os graffiti sofrem ataques, mas a gente que é da rua sabe que é uma arte efêmera. Fazemos, tiramos foto e acabamos esperando que isso aconteça mesmo, como alguns ataques com tinta.
A gente que é artista urbano está propício a receber essas críticas. Conseguimos atingir algumas pessoas e provocar outras. O ideal da arte é essa provocação. Quando as pessoas se sentem provocadas, acho que atingiu a intenção, que era essa mesmo.
No seu trabalho, a arte desde sempre foi uma forma de expressão política?
Foi uma construção. Faço graffiti desde os 13 anos, mas não tinha uma ideologia a seguir naquele tempo. Eu, como homem negro, tentava saber a minha posição na rua. A gente sabe que existem pichadores de classe média que, em sua maioria, têm advogados e pessoas que podem tirar eles da cadeia assim como eles entram. Para um artista preto de periferia, isso já não acontece. Você está propício a ser morto.
A gente sofre algumas coisas na periferia por ser homem negro. Tenho um amigo que é pichador e é negro e tem um problema crônico no ombro porque o policial jogou ele de cima de um muro há cinco anos. Ele não consegue levantar o braço. Então algumas coisas que acontecem com artistas e pichadores de periferia são diferentes dos que acontecem com uma galera que tem um poder aquisitivo maior e tem acesso a advogados, por exemplo, para tirar eles da prisão caso precise.
Minha mãe, quando eu saia de casa, sempre me dizia para ser educado com autoridades e sempre andar com documento e não fazer nada de errado porque só falta ‘um pezinho’ para a gente poder ser agredido. Artista de periferia é bem diferente do ‘artista Vila Madalena’.
Ao longo destes 17 anos produzindo graffiti, o que a arte representa na sua vida?
Uma incógnita. A arte existe para eu poder viver. Se não fosse por ela, talvez eu estaria como um zumbi, trabalhando em uma empresa fechada e não estaria vivendo. Eu consigo atingir algumas pessoas e elas são gratas por isso e tenho o graffiti como arte-educação, como poesia para ser vivida.