Trabalho indecente

Número de pessoas em condições análogas à escravidão mostra que Brasil segue ancorado em raízes escravocratas

A quantidade de gente que se encontra em condições análogas à escravidão ou submetida a trabalho forçado no Brasil é (além de um escândalo) evidência de que a lógica do escravismo nunca deixou de ferir direitos humanos em território nacional.

Exploração extrema, trabalho forçado, maus tratos, acomodações insalubres, restrição de locomoção, retenção ou ausência de remuneração são algumas das práticas que afrontam a legalidade e a civilidade das pessoas submetidas ao trabalho escravo contemporâneo. A relação entre essa prática abjeta e os quase quatro séculos de escravização é flagrante. A verdade é que o Brasil segue ancorado em raízes escravocratas.

Grupo de pessoas resgatadas do trabalho análogo à escravidão em vinícola em Bento Gonçalves, RS – Karen Lima – 4.jun.23/Folhapress

Não por acaso, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, três estados que na década de 1870 do século 19 concentravam mais da metade do total de escravizados no país (UFBA), estão na liderança do vergonhoso ranking de denúncias de trabalho escravo. Mas não estão sós. Semana passada, 18 indígenas arregimentados para a colheita de uva foram resgatados em condições análogas à escravidão no Rio Grande do Sul.

Registros oficiais apontam que, em 2024, foram feitas cerca de 4 mil denúncias de trabalho escravo ou análogo à escravidão (Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania). Mais de 1.600 pessoas foram resgatadas de ambientes onde se encontravam em condições degradantes, o que inclui o trabalho doméstico.

Faz 30 anos que o país reconhece oficialmente a existência de trabalho análogo à escravidão em território nacional. Ao longo dessas três décadas, quase 70 mil pessoas foram libertas de condições que se enquadram na definição moderna de escravização. Importante mencionar que a maioria delas era negra.

Para além da reclusão dos criminosos prevista em lei, endurecer sanções econômicas pode ser o caminho mais efetivo para debelar essa indecência que atenta contra a dignidade humana. O dito popular de que “o bolso é o órgão mais sensível do corpo humano” não surgiu à toa.


Ana Cristina Rosa – Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública)

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