Um detalhe

No meio de intenso bombardeio em que está imerso o governo de Benedita da Silva no Rio de Janeiro em função das novas faces que o tráfico de drogas vem adquirindo naquele estado e o impacto negativo que suas ações tem tido sobre a candidatura da governadora, surpreendem a lucidez e sensibilidade de Elio Gaspari em artigo na Folha de São Paulo de 02 de outubro último comentando as reações de diferentes candidatos e autoridades aos últimos atos de intimidação e demonstração de força de traficantes à população do Rio de Janeiro que na sua avaliação oscilaram entre a irresponsabilidade pública à manipulação política. Diz ele: “O 30 de setembro qualificou Benedita da Silva para o exercício do governo do Rio de Janeiro. Pode ser que todos os outros dias do ano, inclusive os próximos, façam dela a mais desqualificada dos candidatos, mas a governadora deu uma lição de compostura aos seus descompostos adversários. Conseguiu essa condição quando disse “o que está em jogo é a democracia, isso não atinge apenas o processo eleitoral, mas a democracia.”

por Sueli Carneiro

Antes disso, Bené já nos indicava o seu apego às práticas democráticas do estado de direito como princípio inegociável inclusive na esfera da segurança pública acenando com a possibilidade de haver luz no fim desse túnel tenebroso em que se transformou a ação do crime organizado no Rio de Janeiro e no resto do país: prendeu-se Elias Maluco, e de toda a extensa cobertura de sua prisão, um detalhe nesse fato ficou recorrentemente voltando em minha mente.

Não sei se é um fato corrente na prática policial. Sei que nunca havia ouvido antes falar em algo assim: milhares de mandados de busca e apreensão foram expedidos para que os policiais pudessem entrar nas casas dos moradores no morro em que Elias Maluco estava escondido. No meu imaginário paranóico, não há registro de um antecedente dessa natureza. Nele está registrado apenas a imagem de policiais invadindo violentamente os barracos das favelas e espalhando pânico e desespero na gente honesta e indefesa da comunidade.

Nada semelhante a isso ocorreu na prisão de Elias Maluco. Nada também da máxima “bandido bom é bandido morto”. Nenhum disparo. O repúdio ao arbítrio como resposta á violência. Ao contrário, a esperança de um processo justo, que resgate a dignidade da sociedade pela intransigente aplicação das regras processuais que assegurem a condenação e punição dos crimes hediondos por ele cometidos e que sobretudo demarque a diferença de métodos e procedimentos que não permitem jamais que nos assemelhemos aos marginais que abominamos. Em respeito e homenagem à memória de Tim Lopes.

Prendeu-se Elias Maluco. Nenhuma vítima inocente. Demarcou-se nesse episódio o respeito aos humanos direitos, expressão tão cara a certos candidatos, na qual não costumam estar incluído o povo favelado via de regra, encurralado entre a violência de bandidos e a violência policial.

Isso acontece no governo popular e democrático de uma mulher negra, ex-favelada em que democracia é qualificada, entre outras coisas, como a garantia de não haver uma política de segurança para o morro e outra para o asfalto. Em que os milhares de mandados expedidos tem o poder simbólico de emprestar alguma dignidade e cidadania a seres humanos sistematicamente humilhados. Um fato inusitado para mim que acena com a possibilidade de emergência de um novo paradigma no trato dessa temática.

Marilena Filinto em um de seus últimos artigos diz que o que se exige de um governante é que ele conheça as reais condições em que vive o seu povo. Que tenha percepção, sensibilidade , “experiência de miséria, enfim humanidade. Que tenha sabedoria que é o saber e a prudência que nascem do coração.”

Obrigada Bené por nos fazer continuar acreditando que é possível …

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