Desde que comecei a entender alguns aspectos apresentados pela sociedade, sobre as diferenças de tratamento perpetuadas pelas questões raciais, de gênero e sociais, percebi o quanto cada um, no jogo da vida, é empurrado para um lugar e espaço próprios. Essa destinação, no entanto, é bastante injusta e provocadora das inúmeras desigualdades que existem. Esse recorte nem sempre é tão claro e objetivo, podendo ocasionar desconfortos de acordo com o estilo de vida que cada indivíduo tem. No meu caso, por exemplo, evidenciei essa situação em minha pele quando compreendi que me sentia um estranho no ninho em diversos lugares, e, surpreendentemente, não me encaixando em nenhum local.
Tudo bem que após alguns anos, e muitas sessões de terapia, essa relação que tenho com os ambientes se tornou um pouco menos estafante. Em outras palavras, posso dizer que o desconforto ainda existe, no entanto, a forma como encaro me deixa muito menos frustrado do que antigamente. Para que fique mais claro, deixe-me explicar com detalhes. Sou um homem negro e durante uma vida inteira, na intenção de que eu pudesse ter oportunidades melhores, meus pais fizeram com que eu circulasse por ambientes majoritariamente brancos. Essa não é uma afirmação de que pessoas brancas são melhores do que pessoas negras, apenas que nesses lugares onde convivi com elas as oportunidades de crescimento profissional poderiam ser melhores para aquela criança negra. Às pessoas negras sempre foram negadas as melhores condições de vida, como estudo, habitação, alimento, saúde e empregos. Pensando nisso, meus pais, logo conseguiram bolsas de estudo para mim e meus irmãos. A intenção foi boa, o que eles não esperavam era que esta decisão seria provocadora de alguns elementos tão importantes quanto a questão financeira.
Crescer nesses ambientes, me fez cada vez mais me afastar das minhas origens. Na época, ainda muito pequeno, não entendia o quanto isso seria prejudicial para quem hoje eu sou e para minha personalidade que estava se formando, e era impossível até mesmo de conseguir entender isso tudo. Percebia, é claro, que alguma coisa me incomodava, mas não entendia o porquê do total desconforto, afinal os anos 90 não foram um grande exemplo de representatividade para nenhuma minoria. Não havia, na época, referência de absolutamente nada. Com o tempo, comecei também a entender que não era apenas em ambientes como minha escola onde não me sentia confortável. Mesmo quando estava com meus primos ou em festas, onde a maioria era negra, me via com trejeitos, comportamentos e gostos musicais não aceitos por aquelas pessoas, que, na minha concepção, deveriam me acolher. O fato é que já estava me compreendendo negro demais para estar entre as pessoas brancas, e branco demais para andar com as pessoas negras. Era como se eu estivesse em um espaço do universo onde apenas eu poderia estar, pois não me encaixava em nenhumas das opções que haviam me apresentado. Isso me lembrou um episódio da série “Um maluco no pedaço” em que Carlton Banks, primo do Will, personagem principal, foi excluído de uma fraternidade da universidade porque ele não se comportava como todos os negros do local e, por isso, não seria digno de participar assim como os outros.
No momento, vejo o quanto essas facetas da vida são muito importantes para mim, pela questão da representatividade e identificação. Fatores cuja falta influenciaram muito na minha personalidade e em quem hoje eu sou. Em contrapartida, a minha felicidade é entender que mesmo ainda dentro da realidade racista brasileira em que vivemos, alguns aspectos estão mudando e, com isso, as gerações futuras certamente se sentirão muito mais confortáveis em suas peles para que possam se entender como pessoas negras, sem que esse elemento, tão importante para a constituição de quem somos, interfira sobre os espaços em que ocupamos.
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