Um Grand Jeté do Complexo do Alemão para o Balé Bolshoi, em Joinville

O grande salto de Luís Fernando Rego que aos 16 anos precisa de mais sonhos para realizar

por Camille Ramos no Voz das Comunidade

Já na escola, os desafios forma outros. “Preto não pode fazer balé”, conta o Luís Fernando. Foto: Stella Ribeiro

Dizem que estamos a um passo de nossos sonhos, mas tem gente que está a um grand jeté (grande salto, nos termos das coreografias de dança). Pelo menos Luís Fernando Daniel Rego, de 15 anos, morador do Complexo do Alemão, esteve assim, literalmente. Hoje contamos a história de um menino de postura impecável que tem conquistado prestígio nos espaços de balé mais respeitados do país.

Quinto filho, dentre os oito de Dona Tânia Cristina, Luís brilha dentro e fora do palco.
Sua história com a dança se iniciou com aulas do projeto Surf Alemão, na Nova Brasília, comunidade onde cresceu. Fora da praia, os alunos faziam aulas em um prédio com outros projetos sociais e, um deles, era o Vidançar.

As aulas de balé chamaram a atenção do menino que, por medo de julgamentos dos pais, pediu para inscrever a irmã mais nova no projeto. “Eu acompanhava minha irmã e ficava lá olhando, até o dia em que recebi o convite para fazer a aula e não quis mais parar. Depois de um tempo, levei os documentos de inscrição para minha mãe, sem avisar que era balé.

Quando ela descobriu, eu disse que precisava das aulas para manter o equilíbrio na prancha. Para minha surpresa, ela não achou ruim e aceitou que eu fosse para o mundo das artes” – conta Luís, que se destacou logo nos primeiros meses de aula e foi parar nas aulas de dança do Teatro Municipal, primeiramente como ouvinte.

O choque de realidade foi desestimulante no início, mas a ajuda de amigos foi essencial para ultrapassar a primeira barreira. “Eu era diferente, não tinha nome na chamada. Para um menino de 13 anos, pobre e negro, tudo isso pesou demais. Além disso, meus pais não tinham dinheiro para comprar os uniformes. Eu comecei a faltar às aulas e só não perdi a oportunidade porque a Ellen Serra, minha amiga e professora no Vidançar, me ajudou muito, conversou bastante comigo”.

Já na escola, os desafios foram outros. “Preto não pode fazer balé” – foi uma frase que escutou muito, co­mo se aquele espaço não fosse para ele. “Eu parecia ser uma concorrência abaixo do nível, não admitiam disputa de papel comigo. Quando eu respondia que morava no Complexo do Alemão, perguntavam se era nome de comida. Debocharam muito de mim”. Mas todas essas barreiras foram ultrapassadas. Luís foi crescendo e ganhando respeito, o racismo foi diminuíndo para dar lugar à admiração pelo talento.

De modo semelhante a tantos meninos da favela, ele saía muitas vezes sem dinheiro para comer e até sem como pagar a passagem, como no dia em que conta que veio andando desde o centro da cidade até sua casa. “Eu não tinha dinheiro para voltar. Cheguei já muito tarde, vim a pé da Cinelândia”, relembra. “Aqui no Complexo já me disseram que balé não é coisa de homem. Eu acho que falta às pessoas o entendimento de que cada um pode fazer o que quiser e que não existe coisa de homem, de mulher ou de gay. A sociedade precisa parar de querer encaixar pessoas em padrões. E se você não tem uma cabeça boa ou pessoas que ajudem e apoiem, você se força a ser quem não quer somente para agradar os outros. Joguei futebol na escola, mas nunca gostei. Sempre fui atraído pela arte, pela televisão. Eu ficava imitando os atores nas novelas” – conta ele, com entusiasmo. Incansável e cheio de sonhos, após ganhar o respeito na escola de balé do Municipal, Luís sonhou em fazer parte da Escola do Bolshoi, em Joinville.

‘O importante é considerar o Ballet uma dança que traz disciplina para a mente e para o corpo’. – Foto: Stella Ribeiro

O Balé Bolshoi é uma das mais antigas e prestigiosas companhias de dança do mundo, localizada em Moscou, na Rússia. Em 1995 eles resolveram fazer a turnê de um projeto que pretendia apresentar as mesmas técnicas características da Escola Coreográfica de Bolshoi. Um ano depois, durante a passagem pelo Brasil, os russos se impressionaram com a receptividade do público no tradicional festival de dança de Joinville que acontece todos os anos em Santa Catarina. Da perceptível ligação da cidade com a arte, nasceu a proposta da primeira escola do Balé Bolshoi fora da Rússia, que veio a se concretizar em 2000.

Em junho deste ano, o bailarino fez o seu primeiro teste para a escola de Bolshoi, no Sesc da Barra da Tijuca. O resultado positivo veio cinco dias depois e ele foi convidado a fazer uma vivência de uma semana em Joinville. “A Ellen novamente conseguiu ajuda para minha passagem, agasalhos e um lugar para me hospedar. Fiquei na cada de uma família que já morou aqui no Alemão. Foi impossível não pensar na minha família lá comigo também”, sonha o bailarino.

O ano de 2017 já inicia com novos rumos: no dia 1º de fevereiro, Luís Fernando começa as aulas no Bolshoi e é matriculado no ensino médio, pois depende de boas notas para continuar na escola de dança. “Agora, é dali para o mundo. Tenho planos que estão por vir, já tirei o passaporte e adoraria participar de companhias como a de Boston ou do Hilton, no Texas. Ainda me falta oportunidade e patrocínio, mas me vejo bailarino internacional, assim como o Irlan Santos, que saiu aqui do Alemão. Ele e Ingrid Silva, que também começou em projeto social, são minhas grandes inspirações.

A última apresentação de Luís como aluno da Escola de Dança Maria Olenewa vai acontecer no próximo dia 17 de dezembro, com o espetáculo de final de ano no Teatro Municipal. Vale a pena ver de perto a delicadeza de um bailarino talentoso e de um jovem humilde e cheio de sonhos. Que 2017 seja um ano de muitas realizações e crescimento, Luís. O Alemão se orgulha muito de você!

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