Uma delícia do sertão maranhense: coalhada com mel de tiúba – Por: Fátima Oliveira

Em “Deixa chover canivete que o resto o mel de tiúba resolve”, disse: “Amo coalhada adoçada com mel de tiúba!” (O TEMPO, 15.12.2009). Em geral, tenho mel em casa (nem sempre de tiúba) e a coalhadinha dificilmente falta, caseira ou de supermercado. É um luxo, ao qual não me furto, de vez em quando comer coalhada com mel de tiúba como sobremesa. É uma comida que conforta, massageia a alma e é uma doce memória de uma menina sertaneja.

Por: Fátima Oliveira

 

Em geral, após saborear a minha tigelinha de coalhada com mel, bate um relax e eu corro ligeirinho pra deitar na rede, pode ser a qualquer hora. Nunca entendi a equação comer coalhada e a urgência de deitar na rede… A mistura de dois hábitos tão sertanejos deve ter uma razão de ser. Aprendi a comer coalhada salgada em Sampa, quando conheci a coalhada síria ou coalhada seca (sem o soro), muito usada como aperitivo, tanto com acompanhamentos doces quanto salgados. Quando quero coalhada seca, embora fácil de fazer em casa, vou a um empório árabe. Dizem que, para os povos árabes, coalhada doce é uma heresia. Enfim, “Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso”… Aproveito as delícias de ambas.

Todavia declaro que coalhada do sertão tem sabor especial em meu paladar, em minha memória afetiva. Há uma razão científica, a mesma que diz por que a coalhada búlgara é a melhor do mundo: “Alguns micro-organismos só conseguem se desenvolver em condições existentes nos Bálcãs”. Vale para o sertão também, pois não? Sei que sim. Parafraseando o maranhense Catulo da Paixão Cearense, “Não há, oh gente, oh não,/ coalhada como a nossa do sertão!”.

A coalhada é o produto do leite fermentado naturalmente. Existe desde tempos imemoriais. Segundo alguns registros: “surgiu, acidentalmente, na Ásia Central, entre as tribos nômades que tinham o costume de carregar leite em suas viagens”; integra o grupo dos produtos do leite fermentado, segundo o micro-organismo que o fermenta. Assim temos: o iogurte, o leite fermentado ou cultivado, o leite acidófilo, o kefir, o kumys e a coalhada – rica em cálcio e proteínas, é também um remédio popular para diarreia, pois repõe a flora intestinal. Além do alto valor nutritivo, há os efeitos anticolesterolênico e anticarcinogênico.

Contam que um médico judeu curou com leite fermentado a dor de barriga que durante anos afligiu o rei da França François I. O cientista russo Ilya Metchinikoff concluiu em suas pesquisas que “as bactérias fermentativas exercem ação inibitória sobre outras bactérias do intestino, contribuindo para a sua desintoxicação” e afirmou que a longevidade dos povos dos Bálcãs é devida a uma dieta rica em leites fermentados.

Coalhada é comida de alma, pois é um alimento que conforta (comfort food), como disse Nina Horta: Comida de alma é aquela que consola, que escorre garganta abaixo quase sem precisar ser mastigada, na hora da dor, de depressão, de tristeza pequena… Dá segurança, enche o estômago, conforta a alma, lembra a infância e o costume. (In HORTA, Nina – “Não é Sopa – Crônicas e Receitas de Comida”, São Paulo: Companhia das Letras, 1995).

Vovó também fazia, para consumo familiar, manteiga de garrafa com a nata da coalhada e o queijo coalho, um maná dos céus. Era cheia de manias. Quando queria fazer queijo, escolhia de quais vacas queria o leite. E, pasmem, meu avô obedecia! Trazia o leite do queijo separadinho: “Tá aqui teu leite! C’os diacho de mulher abusada”… Dá pra acreditar? Pois ela era assim, cheia dos leros… Ai que saudades!

 

Fonte: O Tempo

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