Uma escola de afrodescendentes

FONTEKátia Mello


por Kátia Mello

Há 28 anos, um grupo de mulheres negras da periferia de Salvador, no bairro do Uruguai, região dos Alagados, se reuniu para fundar uma escola comunitária. Jamira Alves Muniz, Maria de Lourdes da Conceição Nascimento, Marilene da Conceição Nascimento, Maria Aucélia Rodrigues da Cruz, Diva da Paixão, Sônia Rodrigues, Jandayra Neusa Bonfim, Manuela Bonfim e Solange Souza do Espírito Santo estavam inconformadas com o fato de suas crianças não terem uma boa escola em sua comunidade. Seus nomes são importantes, porque mostraram-se guerreiras.

Algumas dessas mulheres eram professoras e outras faziam parte do movimento negro. A partir da Associação de Moradores do Conjunto Santa Luzia, resolveram, então, fundar uma escola que não poderia ter recebido nome melhor: Luiza Mahin, em homenagem à escrava liberta trazida para o Brasil de Costa Mina (Nagô de Nação), na África, e que aqui participou de importantes levantes, como a Revolta dos Malês (1835), a maior rebelião de escravos do Brasil, e da Sabinada (1837-1888), que proclamou a República Bahiense. Luiza era uma verdadeira revolucionária e a mãe de Luiz Gama, intelectual negro do Brasil escravocrata do século XIX, escritor expoente do romantismo, e considerado herói nacional, como Patrono da Abolição da Escravidão do Brasil.

Para falar sobre a escola, que hoje é referência nacional de educação infantil afro-brasileira, a coluna Geledés no debate conversou com uma de suas fundadoras, Jamira Alves Muniz. “Da porta da escola à cozinha, tudo aqui passa pela questão racial” diz ela. Muito antes de a Lei 10.639/03 de 2003 estabelecer a obrigatoriedade do ensino de história da África e das culturas africana e afro-brasileira no currículo da educação básica, a escola Luiza Mahin já fazia isso. A questão racial é trabalhada com profundidade, despertando o orgulho da negritude e de sua cultura. Além da diretora, três coordenadoras assumem as responsabilidades pedagógicas e a administração da escola. As educadoras adotaram a metodologia de alfabetização de Paulo Freire e Emília Ferreiro e cada sala de aula da escola recebe o nome de uma heroína negra. A biblioteca, por exemplo, leva o nome Clementina de Jesus. Além das aulas, a instituição ainda promove várias ações artísticas com temáticas sobre a cultura africana.

Jamira Alves Muniz  (Imagem enviada pela entrevistada)

A fundadora conta que são várias as atividades para as crianças afrodescendentes, de três a cinco anos, que trazem a reflexão sobre suas identidades, a começar pela contação de histórias africanas. “Nossa metodologia educacional busca contar às crianças suas verdadeiras histórias. Nas sextas-feiras, temos várias oficinas. As crianças aprendem, por exemplo, danças africanas e como fazer bonecas negras”, diz Jamira. As oficinas de arte-educação são promovidas pela Reprotai (Rede de Protagonistas em Ação de Itapagipe), associação de jovens da comunidade que ministram as oficinas de dança, canto, capoeira, artesanato, corte e costura e percussão. A escola ainda oferece cursos para as mulheres do bairro.

Jamira relata que o conhecimento da cultura africana e a discussão sobre a identidade afro-brasileira transformou a vida dessas crianças e de suas famílias. “Elas começaram a se sentirem valorizadas por sua beleza negra. Trabalhamos o pertencimento”, diz.  E a mudança não se deu apenas entre meninos e meninas, mas também impactou os professores. “Havia professoras que não se assumiam como negras. Tinham medo ou talvez vergonha”, lembra ela. Laços de afeto entre professores e alunos são evidentes. De tal forma, que algumas ex-alunas se formaram em pedagogia e regressaram à escola como educadoras. “Aqui a gente ensina e aprende”, diz Jamira. Em 2015, a escola entrou para o Programa Por ser de uma associação, a Escola Comunitária Luiza Mahin não tem mensalidade, mas cada mãe associada paga uma pequena taxa para a manutenção do espaço. Hoje a escola, de período integral, só tem o ensino infantil, mas desde o ano passado está em campanha para arrecadar fundos para fazer uma creche e acolher os bebês da região de Alagados. A instituição abriga 280 crianças e as pouquíssimas vagas são sempre muito disputadas. Em 2015, a Luíza Mahin foi reconhecida como uma das Escolas Transformadoras, uma iniciativa que identifica e engaja escolas de todo o país que estão construindo novos caminhos rumo a uma educação verdadeiramente transformadora.

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