‘Pantera Negra’ mostra negros que não são servos ou marginalizados, mas sim deuses
por PJ KAIOWÁ no O Globo
Lembro que, quando “Thor” foi anunciado, os fãs ficaram entusiasmados com a ideia de ver Asgard nas telonas. Tudo aquilo que vivíamos nos quadrinhos agora veríamos “de verdade”. Era de fato animador, mas será que um reino nórdico representaria a todos?
Até que no terceiro filme do Capitão América surgiu o Pantera Negra, e ali mesmo já mostrou a que veio. Não foi apenas numa pontinha, ou como sidekick. Sua presença foi determinante na trama, e sua postura não mandava recados, batia de frente. Junto a ele, Wakanda, um reino localizado na África e que, em termos de importância, nada perdia para Asgard. Agora temos a estreia do seu filme solo, contando a história de T’Challa, herdeiro da dinastia governante daquele reino e líder ritual de seu clã Pantera.
Nas HQ’s, é o primeiro super-herói de descendência africana nos grandes gibis norte-americanos. Criado pela dupla Stan Lee e Jack Kirby, foi lançado em 1966, anos antes dos outros super-heróis afro-americanos, como o Falcão, Luke Cage, Cyborg e John Stewart, o Lanterna Verde.
Muito se tem discutido sobre representatividade, o que significa, e qual a sua função. Eu costumo ir para o lado prático: lemos nossos quadrinhos, assistimos às novelas e aos seriados preferidos, enchemos salas de cinema, e o que repetidamente vemos? Qual a cor e a cultura que predominam? Daí a importância de se discutir representatividade, mas não uma representatividade mercadológica ou por ser o assunto do momento em troca de cliques.
Aqui no Brasil, nunca faltaram aquele escravo, aquela empregada, aquele traficante para nomes como Milton Gonçalves, Zezé Motta, o saudoso Grande Otelo e tantos outros atores grandes e talentosos. Parecia que o único espaço que o negro tinha nas produções eram esses. Algumas dessas produções retratavam negros que revolucionaram a nossa História, como Chica da Silva — mas ainda assim, escrava. Então a importância de uma produção como “Pantera Negra” é gigantesca, pois traz não apenas um personagem negro como protagonista, ele é rei de uma nação. Ele é um super-herói. Aquele que vai salvar o dia. Ele não é uma consequência de uma vida miserável, ele é inspiração. E mais: na produção, a maior parte do elenco é composta por negros, num universo onde não são escravos, servos ou marginalizados. Eles são como deuses, e isso é de explodir cabeças.
Imagina a garotada de comunidade assistindo a toda aquela fantasia, aqueles personagens, e com isso vislumbrando outras perspectivas. Se verem representados de forma bonita e poderosa, e não apenas num “leke de gueto”. A fantasia é importante, ela permite que sonhemos e, sonhando, possamos traçar metas. Que bom, agora temos uma luz negra para nos espelhar.