Artigos e Reflexões

Uma nova Consciência Negra nas escolas

Ainda nos primeiros dias de novembro, cerca de 3 milhões de estudantes escreveram sobre os desafios para a valorização da herança africana no Brasil. Este foi o tema da redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) deste ano. Os estudantes poderiam contextualizar a herança africana em diversas áreas, como literária, religiosa, cultural, gastronômica ou social. Entre os desafios que dificultam a valorização da herança africana está o racismo em todas as suas formas.

Na educação, essa temática já é abordada há bastante tempo. A lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira, foi um dos caminhos encontrados na política educacional brasileira para combater os desafios de valorização dessa herança ancestral.

Contudo pouco sabemos como as escolas e as redes de ensino colocam em prática o que a lei preconiza e se introduzem no dia a dia da escola a história dos povos africanos e suas contribuições. São mais de 20 anos em que as dificuldades para implementar a lei foram negligenciadas, muitas vezes se restringindo a uma lembrança do Dia Nacional da Consciência Negra no calendário escolar.

A falta de informações sobre a implementação da lei também se reflete na escassez de estudos aprofundados sobre suas consequências. Um mapeamento de pesquisas nacionais sobre desigualdades educacionais mostrou que a maioria dos estudos que investigam desigualdades raciais na educação foca os resultados de aprendizado. Os processos que podem afetar essas desigualdades, como as práticas pedagógicas adotadas, são pouco abordados. Além disso, há pouca distinção entre os grupos étnico-raciais, o que também é um reflexo da escassez de dados raciais nas escolas.

Como medida para tentar suprir essas lacunas de informações, o MEC (Ministério da Educação) realizou um diagnóstico de equidade racial na educação, como parte da PNEERQ (Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola). Um painel com microdados da pesquisa realizada com secretarias de Educação estaduais e municipais será lançado para subsidiar a discussão sobre as estratégias de implementação de políticas de educação para as relações étnico-raciais.

Os dados divulgados apontam grande variabilidade regional, entre redes estaduais e municipais e entre os diferentes aspectos da implementação. Por exemplo, enquanto a maioria das redes estaduais afirma haver um bom nível de institucionalização da educação para as relações étnico-raciais, por meio de normativas, equipe dedicada e revisão curricular, o mesmo não é observado nas redes municipais. Aspectos referentes à formação e à gestão escolar precisam ser fortalecidos em muitas redes, de acordo com os resultados.

Estes dados trazem ideias que poderiam ser incorporadas como proposta de intervenção para o problema abordado na redação do Enem deste ano. Fortalecer o monitoramento e a avaliação da implementação dessas políticas, identificar e disseminar boas práticas e fatores de sucesso, além de intensificar a formação de professores e gestores para a temática podem contribuir para tirar do papel a valorização da herança africana. Assim, a redação ficaria mais fácil para nossos estudantes.


Priscilla Bacalhau – Doutora em economia, consultora de impacto social e pesquisadora do FGV EESP CLEAR, que auxilia os governos do Brasil e da África lusófona na agenda de monitoramento e avaliação de políticas

Geledés Instituto da Mulher Negra

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