Universidade que investiga ‘blackface’ em gincana já teve alunos com fantasias ligadas a grupo extremista

Enviado por / FonteG1, por Ricardo Silva

Em 2015, alunos da Unesp Botucatu (SP) usaram trajes parecidos com os da Ku Klux Klan. Na última quarta-feira (30), instituição abriu comissão para investigar alunos que teriam feito 'blackface'.

Estudantes do campus da Unesp de Botucatu (SP) estão assustados após a instituição se envolver novamente em uma polêmica relacionada a atitudes racistas em trotes universitários.

Na última quarta-feira (30), a universidade abriu uma comissão para investigar um caso de racismo de alunos que teriam feito “blackface“, prática que consiste na pintura da pele com tinta escura e que está atrelada à ridicularização de pessoas negras, durante um trote universitário, na sexta-feira (25).

Na festa, calouros teriam sido obrigados a pintar o rosto com tinta preta para participar de uma gincana — Foto: Arquivo pessoal/Imagem retirada do site G1

Na festa, calouros teriam sido obrigados a pintar o rosto com tinta preta para participar de uma gincana. Logo depois do evento, as imagens foram compartilhadas nas redes sociais por estudantes denunciando a prática, que é considerada racista.

No entanto, essa não é a primeira vez que a Unesp Botucatu se vê envolvida em polêmica quanto a práticas racistas.

Em 2015, a instituição também teve alunos acusados de racismo depois que estudantes do sexto ano de medicina postaram nas redes sociais uma fantasia de carrasco na festa de recepção dos calouros. Os trajes foram comparados aos usados pela organização Ku Klux Klan, que defende a supremacia da raça branca.

À época, duas fotos da festa foram publicadas em uma página, com os estudantes usando roupas pretas, e uma imagem com membros da seita Ku Klux Klan, com vestimentas brancas.

Estudantes de medicina usando fantasias de carrasco (fotos acima) em festa foram comparadas nas redes sociais com cerimônia da Ku Klux Klan (foto abaixo) — Foto: Reprodução/Facebook/Imagem retirada do site G1

A publicação que denunciou o traje dividiu as opiniões dos internautas em relação ao fato. Alguns alunos defenderam que foi apenas uma brincadeira e que, inclusive, após a recepção, as fantasias foram retiradas e houve confraternização entre todos. Mas outros condenaram a atitude dos veteranos.

Uma das estudantes do curso, que preferiu não se identificar, afirmou na época, que não houve trote violento, mas a fantasia dos estudantes chamou a atenção e muitos ficaram chocados. “É uma referência absurda e a justificativa não é verdadeira”, conta.

Após a repercussão do caso, os alunos do sexto ano de medicina se desculparam publicamente, admitindo terem errado ao escolher o tema da fantasia, que “deu margem a interpretações distorcidas”, segundo eles. À época, ninguém foi punido.

Desta vez, em meio à nova polêmica, o Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu (IBB) afirmou que as imagens e denúncias referentes à prática de “blackface” já estão em posse de uma comissão de apuração, a qual também já constitui um conjunto de estratégias para identificar os envolvidos, inclusive aqueles que, no momento do ocorrido, estavam nas redes sociais veiculando as imagens e a própria festa.

Ainda no pronunciamento, a instituição pontua que, além de averiguar os fatos e dar o direito do contraditório a todos os envolvidos, deve enviar às comunidades universitárias as devidas punições, se for o caso, incluindo a possibilidade de denúncias junto às autoridades policiais.

Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu (IBB) instaurou uma comissão de apuração para investigar o caso de racismo — Foto: Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu/Divulgação/Imagem retirada do site G1

A república que recebeu o evento também se pronunciou nas redes sociais, afirmando que a gincana, realizada há anos, é uma “forma de integração entre calouros e veteranos das repúblicas, sendo os times separados por cores com o intuito de identificar os integrantes de cada equipe na competição. As cores disponíveis eram amarelo, rosa, azul, verde, vermelho, marrom e preto”.

Ainda no comunicado, a república afirma que “dada a euforia e o clima de descontração, não percebeu o que a pintura com a cor preta poderia significar e quais os gatilhos que poderiam ser despertados a partir dela”.

Mesmo proibidos, dentro e fora do campus, os trotes continuam fazendo parte da recepção dos calouros da Unesp de Botucatu.

Segundo uma estudante do campus, que preferiu não se identificar, as atitudes referentes ao trote envolvem muitas vezes situações degradantes e humilhantes aos calouros e são tratadas pelos veteranos como forma de integração social.

“É uma realidade paralela. Colocam os calouros ajoelhados, humilham eles, colocando-os em condições desumanas: sem tomar banho, apenas de chinelos, sem escovar os dentes. Não há circunstância que justifique tal agressão”, comenta a estudante de 22 anos.

Calouros pintaram os rostos com tinta preta durante gincana — Foto: Arquivo pessoal/Imagem retirada do site G1

A origem do ‘blackface’

O “blackface” é uma prática que tem pelo menos 200 anos. Acredita-se que ela tenha se iniciado por volta de 1830 em Nova York. Mas não se trata apenas de pintar a pele de cor diferente.

Era uma prática na qual pessoas negras eram ridicularizadas para o entretenimento de brancos. Estereótipos negativos vinham associados às piadas, principalmente nos Estados Unidos e na Europa.

No século 19, atores brancos usavam tinta para pintar os rostos de preto em espetáculos humorísticos, se comportando de forma exagerada para ilustrar comportamentos que os brancos associavam aos negros. Também ridicularizavam os sotaques dos personagens que incorporavam nas peças.

Isso surgiu numa época em que os negros nem eram autorizados a subir nos palcos e atuar, por causa da cor da pele.

Conforme movimentos antirracistas foram crescendo, o “blackface” foi sendo eliminado do entretenimento e, atualmente, é algo visto como vergonhoso e lamentável.

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