Vencedora do prêmio Pulitzer tem cargo vitalício negado na Universidade da Carolina do Norte

Nikole Hannah-Jones, ganhadora do Prêmio Pulitzer e jornalista da revista semanal do New York Times, teve cargo vitalício negado na Universidade da Carolina do Norte (UNC) após o conselho administrativo da universidade adotar a medida incomum de desaprovar a recomendação do departamento de jornalismo.

Na quarta (19), a decisão provocou críticas de membros do corpo docente, que disseram que as duas últimas pessoas no cargo que Hannah-Jones ocupará receberam mandato vitalício depois da indicação.

No final de abril, a universidade anunciou que Hannah-Jones seria nomeada para a Cátedra Knight de Jornalismo Investigativo e Racial na Escola Hussman de Jornalismo e Mídia da UNC. Ela começará como professora em julho, enquanto continuará escrevendo para a revista do jornal. Em vez do cargo vitalício, foi oferecido a Hannah-Jones um contrato de cinco anos como professora, com uma opção de revisão.

No anúncio feito em abril, a reitora da escola de jornalismo, Susan King, disse: “Agora, uma das jornalistas investigativas mais respeitadas dos Estados Unidos estará trabalhando com nossos estudantes em projetos que farão avançar suas carreiras e iniciarão conversas de importância crítica”.

A contratação de Hannah-Jones, que fez mestrado na UNC em 2003 e ganhou uma bolsa MacArthur em 2017, provocou a reação de grupos conservadores preocupados com seu envolvimento no Projeto 1619, da revista do New York Times, que leva o nome do ano em que a escravidão começou nas colônias que se tornariam os EUA. (Hannah-Jones ganhou o Pulitzer em 2020 de comentário por seu ensaio introdutório.)

Projeto 1619 lançou um debate em curso sobre o legado da escravidão, mas enfrentou críticas de alguns historiadores sobre certas afirmações, e de conservadores que o rotularam como propaganda. O Legislativo da Carolina do Norte, controlado por republicanos, nomeia o Conselho de Governadores da universidade, que tem controle significativo sobre o conselho administrativo da instituição.

O site NC Policy Watch relatou na quarta que o conselho administrativo da UNC tinha se recusado a aprovar a inscrição de Hannah-Jones para o cargo vitalício. Uma porta-voz da universidade, Joanne Peters Denny, disse em comunicado que “detalhes dos processos de contratação de professores individuais são informação pessoal protegida”. Hannah-Jones não quis comentar. Na noite de quarta, ela escreveu no Twitter: “Não tinha entrado aqui hoje, mas acabo de ver vocês todos e agradeço muito”.

Cerca de 40 professores da escola de jornalismo assinaram uma declaração online na quarta pedindo que a decisão seja revogada, dizendo que o fracasso em conseguir a nomeação vitalícia de Hannah-Jones “modifica os parâmetros de forma injusta e viola antigas normas e processos estabelecidos”.

A declaração acrescenta: “Esse fracasso é especialmente desanimador porque ocorre apesar do apoio à indicação de Hannah-Jones para professora plena com posição vitalícia pela reitora de Hussman, o corpo docente de Hussman e a universidade”. “O histórico destacado de mais de 20 anos no jornalismo supera expectativas para um cargo vitalício como a Cadeira Knight em Jornalismo Investigativo e Racial”.

Alberto Ibarguen, presidente da Fundação Knight, disse que, embora a instituição financie o cargo da Cátedra Knight na UNC, ela não tem influência nas nomeações. O acordo pede uma indicação por cinco anos com revisão do mandato nesse período, disse ele.

“Não é nosso lugar dizer à UNC ou à UNC/Hussman quem eles devem nomear ou dar a permanência”, disse Ibarguen em um comunicado. “Entretanto, está claro para nós que Hannah-Jones está eminentemente qualificada para a indicação, e pediríamos que os administradores da Universidade da Carolina do Norte reconsiderem sua decisão dentro do cronograma de nosso acordo.”

Os editores de Hannah-Jones manifestaram apoio à jornalista. “Nikole é uma repórter investigativa notável, cujo trabalho ajudou a mudar o debate nacional sobre raça”, disse Dean Baquet, editor-executivo do New York Times. Jake Silverstein, editor da Times Magazine, defendeu enfaticamente a jornalista.

“O jornalismo de Nikole, quer ela escreva sobre segregação na escola ou história americana, sempre foi ousado, resoluto e dedicado a dizer verdades desconfortáveis que algumas pessoas não querem ouvir”, disse. “Isso nem sempre a torna popular, mas é parte do motivo pelo qual sua voz é necessária.”

 

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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