Violação aos direitos das Comunidades Quilombolas pela Marinha do Brasil

Encerramos o ano de 2011 com um balanço de violação dos direitos das comunidades quilombolas no Brasil.

A Marinha como inimiga histórica da população negra do Brasil – vide o exemplo da Revolta da Chibata, em 1910, e, 100 anos depois, os recentes eventos ocorridos em Alcântara, no Maranhão, em Marambaia, no Rio de Janeiro, e, agora, no Quilombo Rio dos Macacos, Bahia, onde mais uma vez o Ministério da Defesa, através da Marinha, corre o risco de responder numa corte internacional dada a situação de violações composta por um repertório que passa desde o impedimento de crianças irem à escola até a negação de socorro a pessoas centenárias. No território quilombola do Rio dos Macacos, oficiais da Marinha estão diretamente implicados em casos que levaram até mesmo a óbito.

Se tem uma expressão entre os poderes no Brasil que não conhecemos são as Forças Armadas, que se constituíram no País desde o início do século XIX com a missão de caçar negros e indígenas, impedindo qualquer forma de organização política destes dois segmentos. Ao longo do século XX, esta mesma instituição se articulou e cresceu no Brasil, sustentada por três pilares: trata-se de uma organização patrimonialista, sectária e focada na estratégia de guerra onde a maioria da população é tratada como inimiga. Só por isso foi possível atravessarmos o século XX com intervalo de democracia e realidade de ditadura, pois o último princípio de sustentação das forças armadas no Brasil conta com o elemento de ausência de qualquer mecanismo de diálogo e controle social por parte da população.

Portanto, o que está acontecendo em Rio dos Macacos coloca a Marinha em rota de colisão com a sociedade democrática de direitos, onde todas as instituições do Estado estão funcionando. A Marinha, enquanto instituição anunciada em sua missão de defesa, tem atuado constantemente violando os direitos humanos dessa e de outras comunidades que por gerações inteiras lutaram para conquistar, implicando na negação do direito de ir e vir, de expressão, de organização política, de acesso aos serviços básicos, como educação e saúde, do modo ser e fazer das comunidades que habitam secularmente e que tiveram seus territórios invadidos datado nos últimos 50 anos.

Nos últimos meses, como forma de enfrentar a organização política da comunidade Rio dos Macacos e da solidariedades de muitos grupos da Bahia e do Brasil, a Marinha protagonizou inúmeras ações violentas a exemplo do assédio diário à comunidade com dezenas de fuzileiros armados; invasão de domicílios atentando contra os direitos das mulheres; uso ostensivo de armamento exclusivo das forças armadas criando verdadeiros traumas em crianças, adolescente e idosos, que tiveram casas invadidas e armas apontadas para as suas cabeças; impedimento das atividades econômicas tradicionalmente desenvolvidas pela comunidade, como a agricultura e a pesca de subsistência como forma de inviabilizar a permanência no território.

Um saldo desse conflito desigual se evidencia no grande número de crianças, adolescentes e adultos que foram impedidas ou que foram forçadas a desistir de frequentar a escola. Na comunidade de Rio dos Macacos, dois fuzileiros ficavam de prontidão num ponto denominado pela comunidade como “barragem” para impedir a saída e entrada de pessoas, e quem insistiu foi espancado, preso e humilhado publicamente como castigo exemplar. Desde a década de 1970 que mais de 50 famílias foram expulsas do território e se mantém alto nível de hostilidade aos que permaneceram resistindo.

A disputa não se dá apenas no campo objetivo, pois a Marinha, ao destruir dois terreiros de Candomblé em Rio dos Macacos, também estabeleceu uma guerra contra a sustentação simbólica, que incide diretamente no ataque à memória, à cultura e às tradições, elementos fundamentais à identidade quilombola. Neste ponto, a Marinha viola todos os protocolos internacionais assinados pelo Brasil, a exemplo da Declaração de Durban, resultante da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, na África do Sul, em 2001.

Diante da ampla mobilização e denúncias tão contundentes, diferentes órgãos e instâncias da administração pública do Governo Federal (SEPPIR, FCP, AGU, PGF, PGU, MDA,INCRA, MINISTÉRIO DA DEFESA E SECRETARIA GERAL DA PRESIDENCIA), implicados na garantia dos direitos das comunidades quilombolas, garantido no artigo 68 dos atos das disposições transitórias da Constituição Federal de 1988, que garante que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos”, regulamentado no decreto 4887/2003, em conformidade com Convenção 169 da OIT, tomaram como decisão realizar imediatamente o RTID (Relatório Técnico de Identificação e Delimitação), que é uma peça técnica fundamental para que a presença da comunidade no território seja entendida pelos poderes públicos.

Estranhamente e de forma arbitrária, a Marinha achou-se no direito de impedir um órgão da administração federal, o INCRA, de cumprir com o dever constitucional e o acordo institucional firmado no dia 3 de novembro de 2011. No dia 09 de dezembro, a Marinha anunciou que não ia permitir a entrada dos técnicos do INCRA no local, alegando que as ações daquele órgão no sentido de realizar os estudos necessários à regularização das terras dos quilombolas e assim cumprir o que manda a Constituição seriam incompatíveis com o interesse público. Leia-se, como interesse de ampliar a Vila dos Militares.

Desta forma, enquanto a Presidenta descansa sem talvez saber o que se passa a poucos metros da caserna, guarnecida pelo aparato militar, também o INCRA e seus servidores estão sob ameaça, pois a Marinha, nos termos do documento anexo, promete, “utilizando-se dos meios permitidos em Regulamento para inibir qualquer prática atentatória à perda das garantias de manutenção da Dominialidade Federal da região”, barrar o processo de realização dos direitos constitucionais da comunidade.

Por tudo relatado, exigimos providências imediatas por parte da Presidenta da República e pelo Ministro da Defesa, pelo fim da violação dos direitos humanos, pelo garantia dos direitos quilombolas e pela imediata regularização fundiária do Território da Comunidade Quilombola Rio dos Macacos!!!

Assinam:

Comunidade Quilombola do Rio dos Macacos

Comunidades Quilombolas do Recôncavo: Alto do Tororó, São Francisco do Paraguaçu, Giral Grande, Tabatinga, Guerém, Porto da Pedra, Salaminas-Putumuju, Santiago do Iguape, Bananeiras, Maracanã, Porto dos Cavalos, Praia Grande, São Brás, Cambuta, Acupe de Santo Amaro

Conselho Quilombola da Chapada – BA

Movimento de Pescadores e Pescadoras – BA

Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra da Bahia

Articulação em Políticas Públicas da Bahia

AATR – Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais – BA

Conselho Pastoral dos Pescadores

FASE-BA

GT Combate ao Racismo Ambiental*

*Componentes do GT Combate ao Racismo Ambiental:

AATR – Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – Salvador – BA

Amigos da Terra Brasil – Porto Alegre – RS

ANAÍ – Salvador – BA

Associação Aritaguá – Ilhéus – BA

Associação de Defesa Etno-Ambiental Kanindé – Porto Velho – RO

Associação de Moradores de Porto das Caixas – Itaboraí – RJ

Associação Socioambiental Verdemar – Cachoeira – BA

CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva) – Belo Horizonte – MG

Central Única das Favelas (CUFA-CEARÁ) – Fortaleza – CE

Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA) – Belém – PA

Coordenação Nacional de Juventude Negra – Recife – PE

CEPEDES (Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia) – Eunápolis – BA

CPP (Coordenação da Pastoral dos Pescadores) Nacional –

CPP BA (Coordenação da Pastoral dos Pescadores da Bahia) – Salvador – BA

CPP CE – Fortaleza – CE

CPP Nordeste – Recife (PE, AL, SE, PB, RN)

CPP Norte (Paz e Bem) – Belém – PA

CPP Juazeiro – BA

CRIOLA – Rio de Janeiro – RJ

EKOS – Instituto para a Justiça e a Equidade – São Luís – MA

FAOR – Fórum da Amazônia Oriental – Belém – PA

Fase Amazônia – Belém – PA

Fase Nacional (Núcleo Brasil Sustentável) – Rio de Janeiro – RJ

FDA (Frente em Defesa da Amazônia) – Santarém – PA

FIOCRUZ – Pedro Albajar – RJ

Fórum Carajás – São Luís – MA

Fórum de Defesa da Zona Costeira do Ceará – Fortaleza – CE

FUNAGUAS – Terezina – PI

GELEDÉS – Instituto da Mulher Negra – São Paulo – SP

GPEA (Grupo Pesquisador em Educação Ambiental da UFMT) – Cuiabá – MT

Grupo de Pesquisa Historicidade do Estado e do Direito: interações sociedade e meio ambiente, da UFBA – Salvador – BA

GT Observatório e GT Água e Meio Ambiente do Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) – Belém – PA

IARA – Rio de Janeiro – RJ

Ibase – Rio de Janeiro – RJ

INESC – Brasília – DF

Instituto Búzios – Salvador – BA

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense – IF Fluminense – Macaé – RJ

Instituto Terramar – Fortaleza – CE

Justiça Global – Rio de Janeiro – RJ

Movimento Cultura de Rua (MCR) – Fortaleza – CE

Movimento Inter-Religioso (MIR/Iser) – Rio de Janeiro – RJ

Movimento Popular de Saúde de Santo Amaro da Purificação (MOPS) – Santo Amaro da Purificação – BA

Movimento Wangari Maathai – Salvador – BA

NINJA – Núcleo de Investigações em Justiça Ambiental (Universidade Federal de São João del-Rei) – São João del-Rei – MG

Núcleo TRAMAS (Trabalho Meio Ambiente e Saúde para Sustentabilidade/UFC) – Fortaleza – CE

Observatório Ambiental Alberto Ribeiro Lamego – Macaé – RJ

Omolaiyè (Sociedade de Estudos Étnicos, Políticos, Sociais e Culturais) – Aracajú – SE

ONG.GDASI – Grupo de Defesa Ambiental e Social de Itacuruçá – Mangaratiba – RJ

Opção Brasil – São Paulo – SP

Oriashé Sociedade Brasileira de Cultura e Arte Negra – São Paulo – SP

Projeto Recriar – Ouro Preto – MG

Rede Axé Dudu – Cuiabá – MT

Rede Matogrossense de Educação Ambiental – Cuiabá – MT

RENAP Ceará – Fortaleza – CE

Sociedade de Melhoramentos do São Manoel – São Manoel – SP

Terra de Direitos – Paulo Afonso – BA

TOXISPHERA – Associação de Saúde Ambiental – PR

Participantes individuais:

Ana Almeida – Salvador – BA

Ana Paula Cavalcanti – Rio de Janeiro – RJ

Angélica Cosenza Rodrigues – Juiz de Fora – Minas

Carmela Morena Zigoni – Brasília – DF

Cecília Melo – Rio de Janeiro – RJ

Cíntia Beatriz Müller – Salvador – BA

Cláudio Silva – Rio de Janeiro – RJ

Daniel Fonsêca – Fortaleza – CE

Daniel Silvestre – Brasília – DF

Danilo D’Addio Chammas – São Luiz – MA

Diogo Rocha – Rio de Janeiro – RJ

Florival de José de Souza Filho – Aracajú – SE

Igor Vitorino – Vitória – ES

Janaína Tude Sevá – Rio de Janeiro – RJ

Josie Rabelo – Recife – PE

Juliana Souza – Rio de Janeiro – RJ

Luan Gomes dos Santos de Oliveira – Natal – RN

Maria do Carmo Barcellos – Cacoal – RO

Mauricio Sebastian Berger – Córdoba, Argentina

Norma Felicidade Lopes da Silva Valencio – São Carlos – SP

Pedro Rapozo – Manaus – AM

Raquel Giffoni Pinto – Volta Redonda – RJ

Ricardo Stanziola – São Paulo – SP

Ruben Siqueira – Salvador – BA

Rui Kureda – São Paulo – SP

Samuel Marques – Salvador – BA

Tania Pacheco – Rio de Janeiro – RJ

Teresa Cristina Vital de Sousa – Recife – PE

Tereza Ribeiro – Rio de Janeiro – RJ

Fonte: Racismo Ambiental

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