Vítima de racismo, professora vai expor artigo sobre funk nos EUA

Moradora da região do Campo Limpo, em São Paulo, a professora Jaqueline Conceição da Silva, 28, foi convidada para ir à Universidade Columbia, nos Estados Unidos. Tudo por causa de seu artigo sobre questões de gênero no universo do funk, que foi aceito para uma conferência em setembro. A docente ganhou a atenção porque seu trabalho acadêmico cita a cantora Valesca Popuzuda.

Por Lucas Rodrigues, do  UOL Educação

Foto: Folhapress/Eduardo Knapp

“A proposta do trabalho era refletir a dualidade da questão da mulher dentro do funk. Se há uma emancipação ou se ele reproduz o machismo de nossa sociedade”, conta Jaqueline, que dá aula de literatura para o ensino médio de uma escola estadual em Paraisópolis.

O interesse pelo funk veio da sua observação dos seus vizinhos lá do Capão Redondo — em sua maioria, fãs do pancadão. Ela fez mestrado em educação sobre juventude na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

Tinha vergonha da minha cor

Jaqueline sempre estudou em escola pública. Sua mãe, que trabalhava de doméstica em um bairro de classe média, conseguiu colocá-la numa boa escola da região. Lá, a garota conheceu o preconceito.

“Eu era uma das poucas alunas negras e sofri preconceito por parte dos professores e dos colegas”, conta. “Uma professora na terceira série me chamava de ‘neguinha fedida’ e dizia que apesar de eu ser negra, eu era inteligente.”

Nessa fase da vida, ela diz que tinha vergonha da cor da sua pele. “Fui entender o que era ser negra ouvindo Racionais na adolescência. Eles me ajudaram a entender tudo o que estava acontecendo à minha volta”. O pai era alcoólatra e Jaqueline perdeu cerca de 15 amigos assassinados. “Eles iam morrendo, a gente ia enterrando e a revolta ia crescendo.”

Valesca Popozuda na universidade

Perguntada sobre o que acha do som da cantora Valesca Popozuda, Jaqueline acredita que ela é um destaque por discutir no funk a temática da homossexualidade e pela forma agressiva com que propõe que a mulher se aproprie do próprio corpo.

“Mesmo construindo um discurso de emancipação, ela tem seios fartos, bumbum grande e é loira”, analisa. “Por mais que queiramos dizer que somos contra o machismo, essa foi a formação que nos foi imposta.”

A repercussão de seu trabalho por causa de Valesca não foi uma surpresa. “Na sociedade que a gente vive, do agora, achei tudo normal. O importante é que trouxe um debate que não tinha antes, ou que era marginalizado, sobre o caráter formativo do funk.”

No artigo, Jaqueline fez uma análise sobre 21 letras de funk, dentre elas canções de Valesca Popozuda, dos MCs Catra, Beyoncé e Guime, entre outros. A ideia pelo tema veio da observação da juventude nas ruas do bairro Capão Redondo.

Vaquinha para viajar

Como não tinha condições financeiras para arcar com os custos da viagem, a docente resolveu fazer uma <“vaquinha online”, que já arrecadou quase de R$ 3 mil devido à repercussão. A história chegou até os ouvidos de Valesca. “Ela se propôs a pagar metade da viagem, mas desde então não conversamos”, conta. “Falamos bem rapidamente pelo Twitter uma única vez.”

O interesse da funkeira em ajudar afugentou outros doadores. “Com a Valesca rendeu um pouco mais, mas muita gente desistiu. Começaram a achar que ela já tinha pago tudo.”

O artigo “Só mina cruel: Algumas reflexões sobre gênero e cultura afirmativa no universo juvenil do funk” foi apresentado em um congresso sobre mulher na Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Marília, interior de São Paulo. Após algumas modificações, a professora mandou o trabalho para ser aceito na conferência “Herbert Marcuse and the Legacy of One-Dimensional Man”.

O evento acontece no dia 29 de setembro em Nova York, em comemoração aos 50 anos do livro “Ideologia da Sociedade Industrial – O Homem Unidimensional” do sociólogo Herbert Marcuse.

 

 

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