‘Você faz faxina?’ Perguntou uma mulher, e a resposta foi: “Não. Faço mestrado”

A historiadora e professora Luana Tolentino, de 33 anos, foi mais uma vítima do preconceito racial. Na última terça-feira, ela seguia para o trabalho, em Belo Horizonte, Minas Gerais, por volta das 6h30, quando foi surpreendida por uma mulher e uma pergunta: “Você faz faxina?”. Espantada com a abordagem, Luana respondeu: “Não. Faço mestrado. Sou professora”. Com a resposta, a mulher, que a historiadora jamais tinha visto, seguiu adiante.

por Gabriela Viana no Extra

– Primeiro eu tive um impacto, mas infelizmente é algo recorrente. É como se fosse um soco no estômago e você perde o ar, sabe? Mas aí, como a gente passa por um longo processo de afirmação, eu consegui responder. Ela não respondeu mais e ficou impactada pela minha resposta. Ela foi andando pra trás e ficou me olhando e eu segui. A linguagem corporal dela disse muito. Acho que o constrangimento dela impediu que ela dissesse qualquer coisa – falou Luana.

Luana, que já foi faxineira e há nove anos é professora, afirmou não ter ficado ofendida pela pergunta da mulher.

– Eu já fui faxineira e acho uma profissão muito digna. Não fiquei ofendida. Algumas pessoas falaram para mim, “ah, mas só porque ela achou que era faxina?” Não é isso. É um sentimento de “poxa vida, por que ela tem que achar que eu só posso ser faxineira?”. É um descontentamento. Por que me abordar e falar isso? ÉO que me dói é as pessoas me lerem dessa forma, por ser negra. Foi muito invasivo – disse.

Luana fez uma publicação nas redes sociais contando a história, ocorrida na última terça-feira. O post teve mais de 2 mil compartilhamentos. No texto, ela fala sobre como o preconceito contra negros é enraizado na sociedade.

“No imaginário social está arraigada a ideia de que nós negros devemos ocupar somente funções de baixa remuneração e que exigem pouca escolaridade. Quando se trata das mulheres negras, espera-se que o nosso lugar seja o da empregada doméstica, da faxineira, dos serviços gerais, da babá, da catadora de papel”, escreveu.

Essa não foi a primeira vez que Luana foi vítima de preconceito. Segundo ela, casos como esses são comuns.

“É esse olhar que fez com que o porteiro perguntasse no meu primeiro dia de trabalho se eu estava procurando vaga para serviços gerais. É essa mentalidade que levou um porteiro a perguntar se eu era a faxineira de uma amiga que fui visitar. É essa construção racista que induziu uma recepcionista da cerimônia de entrega da Medalha da Inconfidência, a maior honraria concedida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, a questionar se fui convidada por alguém, quando na verdade, eu era uma das homenageadas”, disse.

Se encontrasse com a mulher de novo, Luana diz que faria um pedido.

– Eu acho que já disse tudo para ela e o recado foi bem dado. Mas acho que também falaria que eu posso ser o que eu quiser e pediria para que ela não julgue as pessoas pela aparência – disse.

Leia na íntegra o texto de Luana

“Hoje uma senhora me parou na rua e perguntou se eu fazia faxina.

Altiva e segura, respondi:

– Não. Faço mestrado. Sou professora.

Da boca dela não ouvi mais nenhuma palavra. Acho que a incredulidade e o constrangimento impediram que ela dissesse qualquer coisa.

Não me senti ofendida com a pergunta. Durante uma passagem da minha vida arrumei casas, lavei banheiros e limpei quintais. Foi com o dinheiro que recebia que por diversas vezes ajudei minha mãe a comprar comida e consegui pagar o primeiro período da faculdade.

O que me deixa indignada e entristecida é perceber o quanto as pessoas são entorpecidas pela ideologia racista. Sim. A senhora só perguntou se eu faço faxina porque carrego no corpo a pele escura.

No imaginário social está arraigada a ideia de que nós negros devemos ocupar somente funções de baixa remuneração e que exigem pouca escolaridade. Quando se trata das mulheres negras, espera-se que o nosso lugar seja o da empregada doméstica, da faxineira, dos serviços gerais, da babá, da catadora de papel.

É esse olhar que fez com que o porteiro perguntasse no meu primeiro dia de trabalho se eu estava procurando vaga para serviços gerais. É essa mentalidade que levou um porteiro a perguntar se eu era a faxineira de uma amiga que fui visitar. É essa construção racista que induziu uma recepcionista da cerimônia de entrega da Medalha da Inconfidência, a maior honraria concedida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, a questionar se fui convidada por alguém, quando na verdade, eu era uma das homenageadas.

Não importa os caminhos que a vida me leve, os espaços que eu transite, os títulos que eu venha a ter, os prêmios que eu receba. Perguntas como a feita pela senhora que nem sequer sei o nome em algum momento ecoarão nos meus ouvidos. É o que nos lembra o grande Mestre Milton Santos:

“Quando se é negro, é evidente que não se pode ser outra coisa, só excepcionalmente não se será o pobre, (…) não será humilhado, porque a questão central é a humilhação cotidiana. Ninguém escapa, não importa que fique rico.”

É o que também afirma Ângela Davis. E ela vai além. Segundo a intelectual negra norte-americana, sempre haverá alguém para nos chamar de “macaca/o”. Desde a tenra idade os brancos sabem que nenhum outro xingamento fere de maneira tão profunda a nossa alma e a nossa dignidade.

O racismo é uma chaga da humanidade. Dificilmente as manifestações racistas serão extirpadas por completo. Em função disso, Ângela Davis nos encoraja a concentrar todos os nossos esforços no combate ao racismo institucional.

É o racismo institucional que cria mecanismos para a construção de imagens que nos depreciam e inferiorizam.

É ele que empurra a população negra para a pobreza e para a miséria. No Brasil, “a pobreza tem cor. A pobreza é negra.”

É o racismo institucional que impede que os crimes de racismo sejam punidos.

É ele também que impõe à população negra os maiores índices de analfabetismo e evasão escolar.

É o racismo institucional que “autoriza” a polícia a executar jovens negros com tiros de fuzil na cabeça, na nuca e nas costas.

É o racismo institucional que faz com que as mulheres negras sejam as maiores vítimas da mortalidade materna.

É o racismo institucional que alija os negros dos espaços de poder.

O racismo institucional é o nosso maior inimigo. É contra ele que devemos lutar.

A recente aprovação da política de cotas na UNICAMP e na USP evidencia que estamos no caminho certo”

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