Wall Street: o código racial de que ninguém fala

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Aqui estão 13 regras não escritas sobre ser negro em Wall Street, de acordo com pessoas que passaram pela experiência:

  1. Nunca se esqueça: apesar de todas as promessas sobre diversidade, apenas cerca de 1% dos cargos de gerência sénior são ocupados por negros.
  2. Cuidado ao apontar este dado em ambientes de trading predominantemente brancos e principalmente masculinos.
  3. Acostume-se a ouvir falar na suposta falta de candidatos negros “qualificados”.
  4. Um 4.0 em Harvard não é suficiente. Alguns executivos brancos de Wall Street pensam que os colegas negros são “contratados pela diversidade”.
  5. Adote uma “voz branca”.
  6. Espere ouvir reclamações sobre formações tendenciosas.
  7. Trabalhe horas extra para combater estereótipos sobre “ética no trabalho”.
  8. Não peça tarefas diretamente; e espere perder algumas para colegas brancos menos qualificados.
  9. Dissimule a raiva ou frustração.
  10. Respeite o espaço pessoal dos colegas brancos.
  11. Não ria alto demais.
  12. Aja como se tudo isto fosse normal.
  13. Não fale sobre raça.

Nem todos em Wall Street, negros ou brancos, concordam com todas estas declarações. Estas regras não oficiais, e outras como estas, foram obtidas em dezenas de conversas com banqueiros e traders negros durante o mês passado, quando o racismo dominou o debate nos Estados Unidos. Os entrevistados variam em idades, cargos e experiência, mas todas refletem a mesma realidade preocupante: apesar de anos de discussão, Wall Street está a falhar no que toca à raça.

Poucos trabalhadores negros o dirão publicamente. E poucos prevêem mudanças de impacto tão cedo no setor financeiro, mesmo quando o movimento Black Lives Matter alcança todos os cantos dos Estados Unidos. É certo que foram feitas promessas. Desde a morte de George Floyd, que levou a demandas coletivas por ação, a Morgan Stanley e a Wells Fargo prometeram promover executivos negros. A Goldman Sachs exigiu mais formações sobre preconceito. A JPMorgan Chase expandiu os seus programas de mentores. E o Bank of America prometeu recursos para combater a desigualdade.

Apesar disso, os patamares mais privilegiado da finança americana continuam muito semelhantes ao que eram há uma década ou mesmo há duas ou três.

“Somos dispensáveis”

Os números contam uma parte da história: atualmente, nem um único director executivo de um grande banco americano é negro, e apenas uma das mais de 80 pessoas incluídas entre as equipas executivas no topo dos seis maiores bancos americanos é negra. Segundo algumas estimativas, os profissionais negros representam 8% do total da indústria financeira – o mesmo que há 15 anos. Mas a sua representação dentro das divisões de trading e de investimento é muito menor.

Nos últimos anos, a percentagem de trabalhadores negros do JPMorgan, Bank of America e Citigroup tem vindo a diminuir, e não a aumentar. No JPMorgan, o maior banco do país, esse número caiu para 13%, de 19% em pouco mais de uma década.

Mas os números são apenas uma parte da história. Num momento em que se reflecte sobre a raça na América, as empresas têm incentivado os empregados negros a falar abertamente sobre as suas experiências. Alguns estão a fazê-lo. Mas muitos estão preocupados, pois pensam que isso só tornará os seus empregos e vidas mais difíceis.

“Há certas coisas que talvez queiram fazer, mas não podem”, diz Dennis Creary, que dirige uma organização sem fins lucrativos chamada Blacks on Wall Street e vende software a grandes bancos em nome da Oracle. “A raiva está lá, mas o medo de perder o emprego para o qual trabalhou também”. Creary acrescenta: “Somos dispensáveis”.

Como que para colocar um ponto de exclamação no momento que atravessamos, um executivo negro que passou 16 anos como líder global da diversidade na Morgan Stanley está agora a processar o banco por discriminação racial. Marilyn Booker diz ter sido despedida por insistir em mais e melhor formação para os consultores financeiros negros. O Morgan Stanley rejeitou categoricamente as acusações.

Quase todas as pessoas negras com quem se fala na área das finanças têm histórias sobre racismo subtil e não tão subtil na indústria. Alguns já foram elogiados por conseguirem ser “articulados”. Outros recebem menos do que os colegas que não são negros. Outros ainda contam terem sido rejeitados por não terem competências “técnicas” para um determinado emprego, apenas para verem esse mesmo emprego ser oferecido a um colega branco com um CV semelhante. Não há muito tempo, no lobby de uma grande empresa em Manhattan, um grupo de banqueiros brancos confundiu um colega negro com um segurança. Um banqueiro negro conta que passou horas a cortejar um CEO branco, apenas para ser excluído da reunião final de uma proposta. O chefe disse-lhe que um banqueiro branco teria mais hipóteses de fechar o negócio.

Diz-se ainda ainda que alguns gestores estão particularmente relutantes em abalar as divisões lucrativas de trading e vendas. Os pedidos de estágios de candidatos não brancos são muitas vezes ignorados e o mesmo acontece no momento de desempenhar papéis-chave – por preocupação de que estes trabalhadores não se enquadrarem na “cultura” dos traders brancos.

Janessa Cox-Irvin, diretora global da diversidade e inclusão na AllianceBernstein, diz que aprendeu desde cedo a medir as suas palavras e ações de modo a integrar-se. “Se mantiveres os olhos abertos, rapidamente te apercebes dessas regras não oficiais”, diz Cox-Irvin, que trabalha na indústria financeira há 16 anos.

Cox-Irvin diz que tem o cuidado em não brincar com os estereótipos brancos da “mulher negra zangada”. Isso significa atenuar coisas aparentemente pequenas, como mostrar excitação ou gesticular com as mãos. Em privado, alguns banqueiros e traders negros temem que os colegas negros que se manifestam possam acabar por prejudicar toda a comunidade negra em Wall Street. Eles expressaram ansiedade em relação a este novo enfoque sobre a raça.

“São os negros como nós que dizem: ‘Agradecemos o que estás a fazer, mas se houver um blowback, isso vai afetar toda a comunidade, mesmo aqueles que não se manifestaram'”, diz Lekan Lawal, um banqueiro da Goldman Sachs.

Há ainda quem seja rápido a notar que em Wall Street, como no resto da América, a raiva e a dor que alimenta a Black Lives Matter não são universais. À medida que a fúria contra a brutalidade policial se espalhava pelas ruas, um colega branco de um trader negro disse-lhe que nunca se sentira mais seguro perto da polícia. Muitos trabalhadores negros praticam o equivalente ao que se faz quando separamos a vida profissional e pessoal, adaptando a sua linguagem e comportamento ao ambiente branco onde estão.

Alguns têm procurado estabelecer uma ligação com esse ambiente através da prática do ski ou golfe. O trader de uma grande empresa comprou um álbum dos Mumford & Sons, a banda folk-rock inglesa, para ter algo para falar com um gerente branco.

Os trabalhadores negros dizem estar vinculados às regras não oficiais de Wall Street, mesmo quando não estão a trabalhar. Dennis Creary, cujos clientes são bancos, vê-se a si próprio como um activista da raça. Mas vai incógnito aos protestos de Black Lives Matter para evitar ofender os seus clientes ou o seu empregador. “Esse medo de ser filmado ainda está comigo”, diz ele. Muitos empregados negros dizem que os colegas brancos questionam frequentemente as suas qualificações, independentemente do seu currículo ou desempenho, ou acham que estes foram contratados em nome da diversidade.

“Já estive em ambientes onde sou questionado”, diz Roxann Cooke, que é responsável pelos esforços de expansão do banco JPMorgan na Nova Inglaterra e na Pensilvânia. “Quando se é o único, é difícil ser vulnerável porque se está a tentar justificar a sua própria posição.”

Cooke é mais optimista do que muitos agora que chegou o momento de mudar. “Olho para as pessoas que estão a chegar-se à frente e olho para a forma como a minha organização se está a juntar e a como diz que estamos juntos nisto – sinto esperança de que vamos continuar a fazer progressos”, diz Cooke. Outros reconhecem que, mesmo agora, falar abertamente sobre a raça acarreta riscos em Wall Street. Lawal, o vice-presidente do Goldman, foi avisado de que é demasiado franco. “Foi-me dito: ‘Lekan, parece que estás numa missão kamikaze, que estás disposto a sacrificar-te'”. Ele diz que não se importa. “Há pessoas que vieram antes de mim”, diz Lawal. “Colin Kaepernick foi ostracizado porque ousou queixar-se de que os negros estavam a ser mortos. Não chegaremos a uma solução se as pessoas afectadas continuarem a permanecer em silêncio”.

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