Anistia Internacional: letalidade policial na Copa se repete antes da Olimpíada

Rio de Janeiro – Em 2014, ativistas e moradores de comunidades carentes de Copacabana protestaram nas ruas do bairro contra a Copa do Mundo e pelo fim da violência policial nas favelas

Por Isabela Vieira Do Agencia Brasil

A tática de “atirar primeiro e perguntar depois”, associada ao abuso da força e à impunidade policial foram graves erros da segurança pública na Copa do Mundo de 2014 no Brasil e que se repetem às vésperas das Olimpíadas, alerta a Anistia Internacional. A organização não governamental divulga hoje (2) relatório afirmando que o Brasil reprisa “erros graves” que elevaram a letalidade policial desde 2014. Para a entidade, está dada a “receita para o desastre”.

“Em 2009, quando o Rio foi escolhido para sediar as Olimpíadas 2016, as autoridades prometeram melhorar a segurança para toda a população. No entanto, ao longo desse período, 2,5 mil pessoas foram mortas pela polícia somente na cidade e a justiça foi obtida em uma parcela mínima dos casos”, denunciou o diretor executivo da Anistia no Brasil, Atila Roque.

A publicação A violência não faz parte desse jogo! Risco de violações de direitos humanos nas Olimpíadas Rio 2016, detalha abusos e violações de direitos humanos pelas forças de segurança na Copa do Mundo. Cita uso desproporcional da força contra manifestações de ruas, com detenções irregulares, contabiliza a letalidade policial e indica que o número de mortes aumentou nos últimos dois anos.

919567-manifestação_0737Rio de Janeiro – Manifestantes foram detidos pela Polícia Militar durante protesto contra a Copa do Mundo de 2014,

Em 2014, quando o país recebeu o campeonato mundial de futebol, 580 pessoas foram mortas por policiais somente no Rio, 40% a mais que no ano anterior. Em 2015, um em cada cinco homicídios no estado foi cometido pela polícia, totalizando 645 pessoas mortas, número 11% maior que o de 2014. Em 2016, de janeiro a maio, 100 pessoas foram assassinadas em operações de segurança, a maioria, jovens negros favelados.

Na avaliação de Atila Roque, a política de segurança do Rio coloca em risco o legado olímpico, prometido pelas autoridades para justificar investimentos públicos nos jogos.

“O Brasil parece ter aprendido muito pouco com erros que cometeu quando se trata de segurança”, criticou o diretor, em nota. “A tática de ‘atirar primeiro e perguntar depois’ acaba por colocar o Rio entre as cidades onde a polícia mais mata no planeta”, destacou.

O abuso da força e a impunidade dos agentes públicos, destaca o documento da ONG, deixam “um rastro de dor e sofrimento” e são “uma receita para o desastre”, afirma.

A Secretaria de Estado de Segurança afirmou, em nota, que a segurança pública durante a Copa do Mundo teve aprovação de 92% dos entrevistados, segundo pesquisa conduzida pela Embratur, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas.

Com a prioridade de preservar a vida e reduzir a criminalidade, a secretaria informa que diminuiu o uso de fuzis, investiu na formação de policiais para uso progressivo da força e fez investigações de mortes decorrentes do que classificou como “oposição à intervenção policial”. O órgão estima que essas mortes caíram pela metade entre 2007 e 2015, totalizado 685 vítimas.

Segurança nas Olimpíadas

A violenta e desnecessária repressão a manifestações durante a Copa e o endurecimento de leis contra protestos, aprovadas em 2016, também preocupam a Anistia Internacional.

A Lei Antiterrorismo, sancionada pela presidenta afastada Dilma Rousseff é vaga e abre brechas para a reprimir ativistas no livre direito à manifestação, diz a entidade, uma das organizações que defendeu veto total à medida.

Outra preocupação é a Lei Geral das Olimpíadas que impõe restrições à liberdade de expressão em zonas específicas da cidade do Rio.

O relatório divulgado hoje lembra que, nos dias que antecederam as partidas de futebol em 2014, bem antes dessas leis, policiais usaram gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral e balas de borracha para dispersar, de forma desproporcional, protestos pacíficos, quando até jornalistas foram feridos e dezenas de pessoas chegaram a ser “arbitrariamente detidas”.

A única pessoa que permanece presa, lembra o relatório, é o jovem Rafael Braga, negro, morador de rua à época. Ele portava duas garrafas de material de limpeza e foi condenado por “porte de artefato explosivo ou incendiário”, apesar de a perícia negar que os produtos eram explosivos.

916363-indios protesto_ _3Brasília – Polícia Militar do DF durante protesto contra a realização da Copa do Mundo próximo ao Estádio Nacional de Brasília

Forças Armadas

Para as Olimpíadas, os governos estadual e federal anunciaram que cerca de 60 mil policiais e 40 mil agentes das Forças Armadas estarão de prontidão no Rio. Nas contas da organização de direitos humanos, trata-se da maior operação de segurança da história do país. O plano prevê, segundo a entidade, incursões em favelas, medidas já condenadas por terem significado, em 2014, “uma extensa lista de violações de direitos humanos”, ainda sob investigação das autoridades no país.

“A Copa, em 2014, mostra que esses territórios, em vias de passagem [como a Maré, próxima ao aeroporto internacional do Rio de Janeiro], são os que correm risco de sofrer mais. Recebem as forças militares que não têm treinamento, capacidade e preparo para atuar em situações cotidianas e ali atuam como se esses territórios fossem ‘inimigos’”, frisa o diretor da Anistia.

A ocupação das 16 favelas da Maré, na zona norte, pelas Forças Armadas, gerou uma série de denúncias de violação de direitos. Em uma das operações, Vitor Santiago Borges, de 30 anos, teve o carro alvejado por soldados que abriram fogo contra o veículo sem qualquer aviso. O jovem ficou paraplégico, mas ninguém foi responsabilizado pelo ocorrido até hoje.

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