Na obra Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua, Agamben pontua o conceito do que é o Homo Sacer. Homem sacro é “aquele que o povo julgou por um delito; e não é lícito sacrificá-lo, mas quem o mata não será condenado por homicídio.”
Por Maciana Freitas e Souza, do Justificando
Desse modo, a vida do homo sacer está exposta à violência da morte dado uma política estrutural fundada numa exclusão da vida. A lei possui, assim, a estrutura da exceção. O pensamento de Agamben relaciona-se à perspectiva da biopolítica, trabalhada nas obras de Foucault, na qual o poder se configura como direito de vida e de morte, e como esse direito é assimétrico.
Para compreendermos o sentido da exclusão política fundamental de que nos fala Agamben, o 13ª Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019[1], produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) com auxílio do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), com base nos dados de 2018, constatou que houve uma queda de 10% no número de assassinatos no Brasil no último ano, contudo as agencias policiais são as que mais produzem mortes em suas intervenções. Nas palavras de Bueno:
No que tange à seletividade racial, o padrão de distribuição da letalidade policial aponta para a expressiva sobrerrepresentação de negros dentre as vítimas. Constituintes de cerca de 55% da população brasileira, os negros são 75,4% dos mortos pela polícia. Impossível negar o viés racial da violência no Brasil, a face mais evidente do racismo em nosso país.
O documento citado também evidencia que há um grupo específico que está mais vulnerável à violência: o jovem negro do sexo masculino. “99,3% das vítimas eram do sexo masculino, o que evidencia a sobrerrepresentação”. Quanto a faixa etária, pode ser visto “entre 20 e 24 anos é que se dá a maior parcela da vitimização por intervenções policiais, com 33,6% das vítimas neste estrato etário.”
O anuário apresenta outros números assustadores como: 11 a cada 100 mortes intencionais violentas são praticadas por forças policiais. Analisou-se também que 75,4% das vítimas são negros, um crescimento total de 19,6% em relação à 2017.
A partir disso, é possível dizer que a juventude negra periférica foi reduzida à condição de homo sacer, um ser matável. Quando lemos, portanto, esses dados podemos perceber que são muitos desafios para garantirmos os direitos sociais previstos constitucionalmente e que a organização do Estado reproduz em termos político-econômicos, mas, principalmente, em termos ideológico-culturais a lógica colonialista, contribuindo assim para as desigualdades e os fatores de perpetração da violência. Nas palavras de Agamben, “a política já havia se transformado, fazia tempo, em biopolítica, e no qual a aposta em jogo consistia então apenas em determinar qual forma de organização se revelaria mais eficaz para assegurar o cuidado, o controle e o usufruto da vida nua.”
O excesso de controle punitivo constitui-se como resposta conservadora dada pela política ocidental no enfrentamento às expressões da violência, e impõe desafios para a garantia de direitos possibilitado uma cultura de autoritarismo. É muito importante que haja um movimento contra o punitivismo que dialogue com o senso comum. O projeto neoliberal em curso atua conjuntamente com o processo de criminalização de condutas para sustentar o modelo desigual em que vivemos, com um controle social cada vez maior sobre determinados grupos sociais. Nesse processo, nas palavras de Agamben, no Estado de exceção [3] “A suspensão da norma não significa sua abolição e a zona de anomia por ela instaurada não é (ou, pelo menos, não pretende ser) destituída de relação com a ordem jurídica”.
Entendemos dessa forma, que é necessário medidas pra reduzir as mortes tanto de civis quanto de policiais, a polícia que mais mata também é a que mais morre, isso exige compreender que temos em curso um contexto amplo de extinção de políticas de proteção social e de fomento de condições dignas de vida na realidade brasileira. Diante desse cenário, na base de qualquer iniciativa democrática e transformadora é importante que a questão racial seja vista com seriedade para a criação de ações que possam construir respostas concretas no enfrentamento a violência.
Maciana Freitas e Souza é escritora e bacharela em Serviço social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).