17 Inverdades Cruéis sobre o Candomblé

Crédito pela imagem: Roger Cipó

17 INVERDADES CRUÉIS disseminadas sobre o CANDOMBLÉ [que refletem a lógica do opressor com vistas a nos segregar e dizimar]

por Professor Dr. Sidnei Barreto Nogueira no Fio de Conta

1. “O Candomblé não é lugar da família e um casal não pode pertencer à mesma comunidade”

– o Candomblé é familiar e nasce para a reconstituição da família e para a sua manutenção. A palavra Candomblé poderia ser sinônimo de “Família”;

2. “Candomblé não é o lugar de crianças”

– no Candomblé, acredita-se no interminável, no contínuo, em uma linha sem fim que inclui todos, desde os mais jovens aos mais velhos;

3. “Cada Casa é uma Casa”

– somos parte de algo maior e, por isso, quem se crê único toca apenas levemente o todo. Pode acontecer, mas não é uma verdade absoluta;

4. “Somos desorganizados, desunidos”

– não! Não somos! Se fôssemos, nem Candomblé teríamos (…) Fomos, intencionalmente, excluídos dos movimentos sociais, culturais e da política e, agora, estamos fazendo o caminho inverso. Some-se a isso a questão de seremos “denegridos” e, durantes séculos, termos sido obrigados a viver na segregação, no silêncio e guardados em “nosso mundo”;

5. “Somos fracos e não lutamos!”

– Lutamos, diuturnamente, desde que fomos arrancados da nossa Terra, da nossa Família, da nossa História, das nossas Crenças e da nossa Cultura. Criamos estratégias sutis de luta e manutenção desses valores e, por isso, podemos praticar “livremente” o Candomblé hoje. Se assim não fizéssemos, estaríamos todos mortos e com ele o Candomblé;

6. “O Candomblé é o lugar da dor, culpa e sofrimento”

– quem ou que povo, em sã consciência, criaria um sistema de crenças e valores para desunir, torturar, desumanizar mais ainda as pessoas? Considerando a escravidão, esta mentira não faz sentido algum;

7. “As pessoas estão no Candomblé por amor ou pela dor”:

– a dor é das pessoas [sim, somos humanos] e as divindades clamam pela nossa aproximação para que possam nos proteger e cuidar de nós; as divindades foram designadas pelo “criador” – “pré-existente” para criar o mundo, cuidar de nós e nos manter vivos e felizes;

8. “Orixá, Nkisi ou Vodun matam ou podem matar aqueles que deveriam guardar”

– não faz sentido, os três valores do Candomblé são:

1) Filhos (descendência e manutenção da memória);

2) Longevidade (se a “divindade” matasse e fosse feita para isso, iria contra este princípio ancestral);

3) Poder de trocas (que dizem respeito às relações, aos movimentos e à ética do empoderamento);

9. “Candomblé é coisa de gente sem cultura”

– a pergunta é: como alguém sem cultura conseguiria praticar, a um só tempo, uma “Fé”, “Ciência”, “Filosofia”, “Cultura”, “Medicina” e, de quebra, manter a África Ancestral no Brasil, mesmo diante de sua negação e diante do Racismo?

10. “Somos bruxos e feiticeiros”

– sim, há bruxos e feiticeiros no mundo, mas não podemos falar por eles. O Candomblé é da natureza e dos fenômenos da natureza; acreditamos em milagres, no intangível, no invisível, mas quem não acredita?

11. “Não acreditamos em ‘Deus’ (…)”

– crença e cultura são fenômenos sociais intrínsecos; o fato de a nossa crença voltar-se a divindades “negras”, “africanas”, “míticas” e “da natureza” não quer dizer que não acreditamos em Deus;

12. “Somos antiéticos e imorais”

– a moral é um princípio cristão e tem bases no culto ao medo e à culpa, ela não empodera o outro, apenas o aprisiona e controla. O Candomblé é o lugar de uma ética do empoderamento, ou seja, estamos em família e, ao empoderar o outro, todos se empoderam. A visão de mundo do Candomblé é afrocentrada e, por isso, fala-se em ética do empoderamento. Há valores, há disciplina, há um código de ética e muitas lições ancestrais. Mas deve ser sempre um convite, nunca uma convocação;

13. “Não temos liturgia

– sistema organizado de crenças, valores e princípios”. Temos e ela é levada a sério, porque, ao desrespeitá-la, negamos o “criador”, os “nossos guardiões” e os fundadores do Candomblé;

14. “Eles judiam dos animais e os matam”

– o Candomblé possui um “Modo Tradicional de Alimentação”, alimentamo-nos da mesma proteína animal comprada no açougue e comida fartamente nas churrascarias, mas somos contra a dor, a tensão da “imolação” e contra o modo como a sociedade em geral consome carne. Comemos bodes, galinhas, galos e aves, escolhidos ou criados por nós, tratados, lavados, honrados ritualmente e, depois, essa carne sagrada se junta à comunidade e une a comunidade. O princípio é do repasto e do comer em família e isso começa desde a escolha ou criação do animal que servirá de alimento. O rito não inclui barbárie e fazer o animal sofrer, como é comum em abatedouros, não faz parte do rito ancestral;

15. “Eles cultuam os mortos e pedem o mal a eles”

– sim para cultuamos os “mortos” – temos aqui o sentido ocidental e assustador da palavra. Cultuamos os mortos, mas não como a nossa coirmã Umbanda, que também não prega o “MAL”. Somos a religião da memória ancestral, da continuidade, o culto àqueles que estiveram conosco é um museu historiográfico. Honramos a “morte” que nos toca quando chega a hora e honramos igualmente os nossos entes queridos e isso se dá por meio de um complexo conjunto de ritos e saberes ancestrais;

16. “Todos são homossexuais no Candomblé”

– pouco importa afirmar ou negar isso. Eles também estão conosco e em família. No Candomblé, todos são humanos e a sexualidade ou identidade de gênero, que são coisas diferentes, são humanas e como o Candomblé é humano e essas pessoas são, igualmente, filhos e filhas do criador, estão conosco entre humanos. Somos todos humanos.

17. “Somos APENAS uma religião”

– não, não somos apenas “isso”, no sentido ocidental da palavra – creio que nenhuma religião o seja “só isso” conceitualmente; somos um Quilombo Urbano, Quilombo Contemporâneo, somos guardiões dos saberes ancestrais africanos, somos negros, somos seres-humanos unidos para resistir à segregação que se apresenta por meio dessas mentiras, somos homens, mulheres, jovens e crianças, somos um espaço privilegiado que reproduz valores ancestrais da África Negra; somos o lugar do corpo e da palavra, somos o amor e a vida que se volta ao criador por meio da natureza e da humanidade.


Professor Dr. Sidnei Barreto Nogueira
Babalorisa da CCRIAS – Comunidade da Compreensão e da Restauração Ile Axé Xangô São Paulo, 12 de março de 2015.
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Coordenador do Projeto de Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial “Conversa de Terreiro” – Jornada de Diálogos, Estudos, Sistematização de Conhecimentos Ancestrais da África Negra no Candomblé Nagô-Queto – criasango@gmail.com

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