18 anos de impunidade: a seletividade penal na Justiça brasileira

Família de Sebastião Camargo, trabalhador sem terra assassinado em 1998, continua esperando por justiça. Caso deve ter andamento com o julgamento do acusado pelo assassinato, Marcos Prochet, no próximo dia 25, em Curitiba.

Por Assessoria de Comunicação da Terra de Direitos
Fotos de Gisele Arabori

“A corda sempre estoura pro lado mais fraco”. É a constatação de quem aguarda há mais de 18 anos pela solução do caso do pai. Mais novo dos cinco filhos de Sebastião Camargo, trabalhador sem terra assassinado no Paraná em 1998, Cezar Camargo vê na morosidade da Justiça um sintoma da seletividade penal que atinge grande parte do Judiciário brasileiro.

“Você vê acontecer e as coisas não tão sendo punidas. Os pequenos tão sofrendo com o poder dos grandes”, lamenta. Cezar traz consigo a vontade de ver a quebra do cenário de impunidade da Justiça com a condenação do assassino de seu pai. Acusado pelo assassinato, o fazendeiro Marcos Prochet será julgado em Curitiba no próximo dia 25.

Sebastião Camargo foi morto em 1998, aos 65 anos, com um tiro na cabeça. O crime ocorreu durante um despejo ilegal em um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) na Fazenda Boa Sorte, em Marilena, cidade no Noroeste do Paraná. Um grupo de aproximadamente 30 pistoleiros encapuzados invadiu o local, e obrigou os acampados e acampadas – inclusive crianças e idosos –a deitarem em frente a uma porteira com o queixo no chão. Sebastião, já idoso e com problemas na coluna, teve dificuldades em permanecer nessa posição – com dor e desconforto,tentou apoiar a cabeça nas mãos. Prochet, encapuzado, disparou um tiro na cabeça do homem, a poucos metros de distância.

A condenação do algoz de Sebastião Camargo – assim como de outros trabalhadores sem terra assassinados – representa a esperança contra a impunidade, mas também o reconhecimento da luta de sujeitos e sujeitas que estão na linha de frente contra as violações de direitos humanos. Esse tipo de decisão judicial põe em evidência as contradições políticas e econômicas da sociedade e mostra o papel das instituições e das elites econômicas – como diz o ditado, “o pau que bate em Chico não bate em Francisco”.

Aos 30 anos, Cezar pouco conviveu com o pai – tinha 11 anos quando o agricultor foi assassinado.  Mas sabe que ele era muito estimado por muitas pessoas. “Ele tocava violão, cantava… Era muito gente boa. O pessoal mesmo falava, que adorava muito ele”. O constante uso da expressão “Uai, sô!” revelava a origem mineira do trabalhador.

Sebastião Camargo foi mais uma, dentre tantas pessoas, vítima da promessa de trabalho e desenvolvimento em outro país. Junto de sua esposa Alzerinda e os filhos menores, se mudou para o Paraguai. Durante alguns anos, viveu por lá como arrendatário, trabalhando na terra de outras pessoas, época que foi enfrentada com dificuldades, segundo os filhos. Em 1995, voltou ao Brasil para integrar o MST a fim de conquistar um pedaço de terra para sua família. Morreu antes que pudesse realizar seu sonho.

Herdeiros da luta

Aos 31 anos, Messias Camargo Ventura carrega consigo a luta do pai. Voltando ao Brasil alguns anos após o assassinato de Sebastião Camargo, ingressou no MST e atualmente é assentado da Reforma Agrária, em São Miguel do Iguaçu, oeste do Paraná.

Em seu pedaço de terra, no Assentamento Antônio Companheiro Tavares – nome dado em homenagem a outro trabalhador sem terra assassinado em 2000 – mora com sua esposa e os quatro filhos. Ali, planta sua horta, cria seus animais, e vende a produção de milho.

Messias conta que Sebastião Camargo gostava muito de integrar o movimento. “O pai falava que era a melhor coisa que tinha acontecido na vida dele. De outro jeito ele não ia conseguir um pedaço de terra para nós viver em cima”.

O filho caçula de Messias tem no nome a homenagem ao avô– se chama Vinícius Sebastião Camargo. “A gente quer ensinar os filhos da gente que sejam desse jeito, que não desista nunca. Sempre vai acontecer algo bom lá na frente”, fala Messias.

No braço, o homem carrega tatuada a homenagem à sua mãe Alzerinda, que passou boa parte da vida tendo problemas de saúde. No dia do júri que condenou Marcos Prochet, em 2013, chorou bastante. Disse aos filhos que o momento a fez relembrar do finado marido e das dificuldades que passou com sua morte. Morreu pouco tempo depois, em julho de 2014, acreditando na condenação do culpado pelo assassinato do marido. Triste engano. O júri que condenou Prochet a 15 anos e nove meses de prisão foi anulado em dezembro de 2014.

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