2020 foi pesado: as eleições nos Estados Unidos da América e o Futuro*

*Tradução: Jaqueline Lima Santos

Finalmente, confirmou-se Joseph R. Biden Jr. e Kamala Davi Harris como os próximos presidente e vice-presidente dos Estados Unidos da América. Harris, a vice- presidente eleita, será a primeira mulher de ascendência africana e indiana a ocupar o cargo. Sua representação é de importância simbólica inegável para as mulheres negras em todo o mundo. Para muitos, esta eleição histórica é uma renovação promissora no poder da democracia. Considerando tantos desafios que enfrentamos juntos como uma comunidade global, é compreensível o desejo e a necessidade de comemorar este momento.

Embora muitos possam aplaudir, em pleno 2020 as famílias e comunidades negras em toda a diáspora africana ainda estão sofrendo. Nos Estados Unidos, houve uma perda substancial de vidas em uma pandemia global que impacta desproporcionalmente a já vulnerável saúde da população negra. De acordo com o Center for Disease Control¹ , os negros nos EUA têm 2,6 vezes mais probabilidade de contrair COVID-19, 4,7 vezes mais probabilidade de serem hospitalizados e 2,1 vezes mais probabilidade de sucumbir ao vírus.

Durante a pandemia de 2020, a taxa de desemprego entre negros chegou a 16%² . A perda de empregos, a queda da renda e a redução da qualidade de vida desestabilizaram comunidades inteiras, especialmente daqueles que não podem trabalhar em casa. Muitos na comunidade negra atuam em trabalhos considerados essenciais, mas não receberam equipamentos de proteção individual (EPI). Aos negros, também foi negada economia de proteção pública habitável aplicada por meio de uma robusta rede de segurança social estimulada pelo país mais rico do mundo. O governo emitiu um único cheque de US$ 1.200 em abril (R$ 6471,60). O preço médio para o aluguel de um apartamento com um quarto nas 15 maiores cidades do país é de $1,216 (R$ 6557,89)³ . Neste ano, as famílias negras reforçaram seus recursos limitados para cuidar de si mesmas e, às vezes, ajudar os vizinhos que também estão lutando para sobreviver.

Os impactos da quarentena na saúde mental da população negra já afetada psicologicamente por outros fatores serão estudados nos próximos anos⁴. A insegurança imobiliária é abundante e o número de sem-teto está aumentando⁵ . Crianças negras estão perdendo horas preciosas de estudos ao mesmo tempo em que estão expostas uma profunda exclusão digital. Algumas casas carecem de meios e infraestrutura adequados para se conectar⁶ . Nós lamentamos pelas vítimas negras da brutalidade policial, incluindo George Floyd, Ahmaud Arbery, Breonna Taylor, Tony McDade, Layleen Polanco e outros para quem a justiça está atrasada ou foi negada este ano. Lutamos por nossas vidas diariamente em inúmeras frentes e nossas vidas importam.

Em uma corrida tão estreita e polarizada, este ciclo eleitoral nos lembra duas realidades. Em primeiro lugar, há o impacto indiscutível da articulação de mulheres negras e de eleitores negros. A liderança e a organização das mulheres negras têm sido fundamentais para combater a repressão aos eleitores. As iniciativas de registro de eleitores de base lideradas por mulheres negras, incluindo a ex-deputada do estado da Geórgia, Stacey Abrams, derrubaram a balança em estados próximos, incluindo Wisconsin, Michigan, Geórgia e Pensilvânia. A segunda realidade é a seguinte: apesar de tudo o que aconteceu nos últimos quatro anos, quase metade dos eleitores dos Estados Unidos consentiu em outro mandato para o atual presidente. Uma eleição não mudará suas crenças sobre o que constitui uma democracia saudável. Como população negra, nossa situação ainda é vulnerável.

Não importa quem ocupe a Casa Branca, nossa comunidade deve continuar em uma luta global pela libertação do povo negro. Este ano já demonstrou-nos que nenhum político ou partido pode entregar sozinho a liberdade que merecemos. Provavelmente iremos comemorar este momento, mas não podemos perder o foco. Uma arrancada pode nos dar o impulso necessário, mas devemos ficar de olho na maratona que está por vir. Esperamos pelo dia em que iremos nos esbanjar alegremente em nossa liberdade há tanto tempo esperada. Até então, continuamos.

Dra. Jaira J. Harrington é professora assistente de Black Studies na University de Illinois, em Chicago. Sua pesquisa sobre trabalho doméstico no Brasil dá centralidade ao impacto político da organização de mulheres negras marginalizadas em luta por seus direitos frente às dificuldades que pareciam intransponíveis.
Referencias: 
** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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