Em poucas palavras, deixo aqui algumas reflexões sobre a música “Saudação Malungo” de Luedji Luna em parceria com Djonga e Dj Nyack. São poucas as minhas palavras mas carregadas de profundidade, assim como a música em questão.
Na versão de Saudação Malunga presente no EP “Mundo”, uma seleção de 5 faixas remixadas publicado em 2019, Luedji é chão intemporal para a lírica de Djonga, que segue, talvez, uma linearidade do tempo, conhecido como passado –
presente – futuro. Luedji parte de Angola, Congo, processos e revoluções, unindo- nos como companheiros que levantaram e sustentaram seus territórios, parceiros juntos na mesma embarcação.
Refletir sobre a relação entre povos companheiros de luta espalhados ao longo do continente americano me lembra Nego Bispo no texto “Somos da terra”, presente na edição nº 12 da revista “Piseagrama”. Bispo desenvolve o termo transfluência a partir da observação do movimento das águas pelo céu, buscando entender como um rio que está no Brasil se encontra com um rio que está na África, por exemplo. Resposta: “pelos rios do céu”, menciona ele. A partir disso, Bispo conclui que da mesma forma que ocorre tal encontro entre as águas doces de lugares distantes, o conhecimento entre povos também segue a confluência através do céu, da cosmologia típica de povos originários, nos conectando de forma tão profunda, seres malungos por natureza.
Chamo atenção para as queimadas recentes que causaram tanto espanto mundial. Dando ênfase à Amazônia, podemos perceber a importância da preservação desse território para o mundo todo. As chuvas não são regionais, os climas não são próprios de um lugar e outro mas de todos os lugares, uma vez que a destruição da Amazônia interfere na saúde ambiental de todo globo – várias partes do ser intrincadamente ligadas. Da mesma forma que há relações profundas de ligação na natureza, me ligo profundamente a Haiti, Suriname, Cabinda, Uíge, temática da música.
Apesar de diferentes e possíveis as poéticas de Djonga e Luedji, ambas pertencem a uma mesma temática. Djonga traz uma percepção atual fruto dos processos que formam o chão do nosso país. O rapper é escurecido (pra não dizer “claro”) porém embasado, e por isso poético – poesia dá trabalho! Ele é rude, e com toda razão. Djonga fala do que vemos, escutamos e vivenciamos, enquanto Luedji traz o poderoso piso que malunga Brasil a lugares da América e África. Luedji é caminho que se faz pelo ar, Djonga é viagem no tempo pelo chão, porque os estados da matéria não são separados um do outro. As duas poéticas mencionam um futuro que se deva construir constantemente, não lá mas aqui agora, como sempre fizeram.
Vale a pena conhecer o Nego Bispo, quilombola morador da Comunidade Saco do Curtume, no Piauí. E vale a pena se atentar ao trabalho de artistas como Luedji, Djonga, Rincon, Dj Nyack, Tássia Reis e outros artistas que, malongamente, têm desenvolvido trabalhos artísticos mais que especiais neste território inacreditável chamado Brasil.
P.S.: Fico feliz por ter participado das edições do encontro “Música e Poesia como ferramenta para falar de racismo”, com Jackson Guedes, e por ter conhecido Nego Bispo por indicação de Maria Teresa. Belos amigos eu tenho.
REFERÊNCIAS:
SANTOS, Antonio Bispo. Somos da terra. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, número 12, página 44 – 51, 2018.