5 mil mulheres morrem a cada ano na América Latina

Basta de mortes por abortos clandestinos!

A América Latina tem os índices mais altos de abortos realizados em condições de risco: quase 4 milhões por ano. É evidente que a política de penalização do aborto, que prevalece na região, não serve para evitar que os abortos sigam sendo praticados de maneira auto-induzida ou em circunstâncias clandestinas onde as condições colocam em risco a vida de milhões de mulheres, a maioria jovens, adolescentes, trabalhadoras e pobres. Durante as décadas passadas, o fundamentalismo religioso se firmou em nossa região: as igrejas e os governos neoliberais, além dos políticos opositores que representam os interesses dos patrões, de oligárquicos e dos pró-imperialistas, impuseram uma política de direita contra os direitos democráticos mais elementares das mulheres. Nós, mulheres latino-americanas, temos uma longa história de luta pelo direito ao aborto, enfrentando a Igreja obscurantista e os governos e políticos de direita, clericais e reacionários; mas o surgimento de governos “pós-neoliberais” em toda a região despertou expectativas em diversos setores do movimento de mulheres que se chocaram contra a dura realidade: esses governos que se autodenominam “progressistas” não somente não fizeram nada para deter o brutal “feminicídio” causado pelo aborto clandestino em nosso continente, como também, e pior ainda, fazem eco das barbaridades que diz a Igreja e os setores reacionários, como podemos ver em suas declarações contra o direito ao aborto quando são pressionados pela direita e, sobretudo, como pode constatar-se no fato de que o aborto segue sendo criminalizado. O resultado é que os governos da América Latina que se autodenominaram “progressistas” seguem proibindo o direito democrático elementar de decidir sobre nossos próprios corpos e nossa própria vida, o que não é mais do que permitir e legitimar a morte de 5 mil mulheres latino-americanas, ensanguentadas na clandestinidade, que encontra suas vítimas fatais entre nossas irmãs mais pobres do continente. Uma situação que vai piorar, diante da crise econômica internacional, na qual milhões de mulheres trabalhadoras e pobres vão ver aumentar estes padecimentos.

 

Na Argentina, sequer a legislação que diz que o aborto não é punível quando a gravidez traz risco de vida à mulher é respeitada. A justiça, a ministra da Saúde e a presidente Cristina Fernández em diversas ocasiões pronunciaram-se contra este direito elementar. Sob a pressão da Igreja e outros setores reacionários, impediram inclusive que se praticassem abortos terapêuticos em meninas abusadas, mulheres estupradas, e são os principais responsáveis de que sejam atualmente mais de 400 as mulheres que morrem, neste país, pelas conseqüências dos abortos clandestinos.

 

No Chile, o aborto não é permitido em nenhum caso desde o ano de 89 com a ditadura de Pinochet, sendo um dos países mais restritivos nesta questão. A direita e a Igreja mantém muito poder nas decisões políticas: em 2008 impediram que a “pílula do dia seguinte” continuasse sendo distribuída nos serviços públicos de saúde. O governo da Concertação garantiu isso e agora, em plena campanha eleitoral, dizem estar dispostos a discutir sobre o aborto terapêutico, enquanto mantiveram intacta a legislação sobre este tema desde a ditadura que levou à morte a centenas de mulheres pelas conseqüências dos abortos clandestinos. A presidente Bachelet, que desde o ínicio se mostrou contrária à descriminalização do aborto, apresentava a pílula contraceptiva de emergência como a solução para a gravidez na adolescência; mas hoje, se cala diante do fato de que a direita e a Igreja ganharam contra este direito elementar das mulheres trabalhadoras, pobres e jovens, proibindo a “pílula” e assegurando a miséria em que vivemos.

 

No Brasil, a Igreja de Pernambuco, com o apoio do Vaticano, disse que o aborto é pior que o estupro, e excomungou os médicos e a mãe responsáveis pelo aborto realizado em uma menina de 9 anos grávida de gêmeos, depois te ter sido abusada por seu padrasto. No entanto, o presidente Lula, por um lado disse que o aborto é uma questão de saúde pública, mas por outro lado estende a mão para a Igreja, os tranqüilizando ao dizer que não vê a necessidade de que o Congresso aprove a lei que descriminaliza o aborto, pois a lei que já existe inclui dois casos excepcionais (estupro e risco de morte). Além disso, a perseguição a 10 mil mulheres no Mato Grosso do Sul por terem realizado abortos clandestinos, a Comissao Parlamentar de Investigação sobre o Aborto na Câmara dos Deputados e a campanha em defesa do nascimento de fetos sem cérebro conferem ao Brasil o título do “modelo de luta contra o direito ao aborto” para ser sede, em 2010, do Encontro Mundial em Defesa da Vida.

 

No Uruguai, em novembro de 2008, o atual presidente Tabaré Vázquez, tal como havia advertido previamente, vetou a legislação – que tinha sido aprovada por ambas câmaras do poder legislativo – que propunha a descriminalização do aborto nas primeiras 12 semanas de gravidez. Apesar das mobilizações e das vozes que se levantaram contra o veto presidencial, este não foi revertido. Talvez tenha sido o único ponto de sua campanha eleitoral que o presidente cumpriu ao pé da letra!

 

No Equador de Rafael Correa, o aborto é considerado um delito. Durante a inauguração da Assembléia Nacional Constituinte, em 2007, o presidente equatoriano se pronunciou contra a descriminalização do aborto e, no ano seguinte, para responder às acusações da Igreja e não dar margem à dúvidas sobre sua posição, o governo retirou o não reconhecimento ao aborto legal da nova constituição. “Nunca entendi as propostas como ‘meu corpo, minha escolha’, quando é claro que o embrião, feto ou bebê que uma mãe carrega já não é parte de seu corpo” declarou Correa, completando disse que votaria contra “caso a nova Constituição aprove a eutanásia pré-natal”.

 

Na Bolívia, o aborto é penalizado com três anos de prisão para a mulher que permita o aborto. Na assembléia constituinte que promovia a refundação do país, retórica usada pelo partido governante, houve uma proposta de direitos sexuais e reprodutivos elaborada por agrupações de mulheres, ONG’s, mulheres indígenas, coletivos feministas e independentes, onde se reivindicava especificamente a descriminalização do aborto, direito à privacidade e à intimidade pessoal, direito a decidir sobre o próprio corpo, à escolha pela maternidade livre e voluntária, ao prazer e erotismo. Frente a isto, Evo Morales foi acusado pela Igreja e setores de ultra-direita de querer aprovar a descriminalização do aborto na nova constituição. Rapidamente, o presidente desmentiu estas “calúnias”, negando contundentemente que tal coisa estivesse em seus planos e completou dizendo que seu governo defendia “a cultura da vida”.

 

Na Nicarágua, o aborto é penalizado sob qualquer circunstância desde outubro de 2006, mesmo quando se trate de uma menor de idade que tenha sido estuprada. Daniel Ortega, o atual presidente nicaragüense, deu um passo atrás na história, derrubando a legislação existente desde 1893, em um nefasto acordo realizado com o que tem de mais reacionário da Igreja nicaragüense para que esta apoiasse sua candidatura nas últimas eleições. Além de ter carregado em suas costas uma acusação de abuso sexual por parte de sua enteada, Daniel Ortega promove a perseguição de setores do movimento feminista que lutam pela legalização do aborto neste país.

 

Na Venezuela, o “socialismo do século XXI” parece não incluir os direitos das mulheres: seu presidente, Hugo Chávez, expressou publicamente contra o aborto e impediu, junto a alguns parlamentares do chavismo, que a legislação favorável à descriminalização do aborto sob o argumento – no interior de seu próprio partido – d que uma medida deste tipo poderia afetar fortemente sua base eleitoral e perder o apoio que tem tido até agora por parte da igreja evangélica.

 

Em El Salvador, onde recentemente a FMLN ganhou as eleições, Mauricio Funes, seu atual presidente, se comprometeu frente a representantes de distintas igrejas a erradicar os altos índices de abortos que existem no país, esclarecendo: “Não vou promover nenhum iniciativa orientada a descriminalizar o aborto… já disse que não, mais claro que isso não posso ser”. Claríssimo.

 

Por isso exigimos

Mais nenhuma mulher morta por aborto clandestino!

Educação sexual em todos os níveis do ensino público

Anticoncepcionais gratuitos para não abortar

Aborto legal, seguro e gratuito, realizado nos hospitais públicos para não morrer

Pela separação da Igreja do Estado

 

Assinam

Pan y Rosas (Argentina)
Pan y Rosas – Teresa Flores (Chile)
Pão e Rosas (Brasil)

 

 

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