7 artistas feministas e não-brancas para você deixar Clarice Falcão em paz

Caso não tenha ficado claro o suficiente, este texto começa com um apelo: ESQUEÇAM CLARICE FALCÃO.

Fonte: Medium

por, Iyara Vidal

Clarice é feminista. Branca. Filha de um cineasta e uma escritora famosa. Mora num apartamento. Como feminista branca de apartamento, ela fala sobre o que entende: suas vivências brancas de apartamento em músicas brancas de apartamento para ouvintes brancos de apartamento. E não há problema nenhum em falar e cantar sobre suas vivências.

Designar a um intérprete branco a atividade de falar com propriedade de algo que ele não conhece é cruel. Cruel com o público, que não receberá conteúdo sincero, cruel com o artista, que, mesmo empático, sabe que não pode lidar com esta missão, e cruel com todos os artistas negros e negras, que já fazem isso com louvor há tempos, mas não têm a devida projeção.

Representatividade é necessária nos clipes, afinal mais da metade da população brasileira é negra. E não estou isentando Clarice da culpa de ter deixado xoxotas e piruzinhos negros de fora da festa no seu último e (não sei por que) polêmico clipe. Mas, para além da representatividade, a chance de brancos ricos falharem documentando vivências de pessoas negras em primeira pessoa é grande. São estrangeiros, afinal, perdidos entre nossos costumes e perrengues.

Dito isso, apresento artistas feministas e não-brancas (negras e latinas) com a mesma idade de Clarice (ou até mais novas) que dão conta do recado e contam, com muita propriedade, suas próprias histórias. Se elas não fizerem você deixar a cantora de ‘Eu Escolhi Você’ cantar sobre a própria vida em paz, eu não sei o que vai.

Xenia Rubinos

‘Latinos criaram a América no lugar da mãe’, canta Xenia, que questiona o lugar de tudo e cria, do zero, o seu mundo ideal. Munida de uma voz poderosa, a cantora de raízes porto-riquenhas e cubanas mistura ritmos caribenhos, soul, noise, punk e uma evidente (e bem-vinda) inspiração em Erykah Badu, cantando sobre temas como machismo, consumismo, violência policial e discriminação contra latinos nos Estados Unidos.

Comece por: ‘Just Like I’,Right?’ eMexican Chef’, as três do álbum Black Terry Cat.

Tássia Reis

Natural de Jacareí, no interior paulista, Tássia é uma das maiores potências do rap brasileiro. E a sua música não poderia ser mais atual: rimas sobre machismo na cultura hip-hop, racismo, empoderamento da mulher, depressão e outros temas em um ótimo flow e uma voz incrível.

Comece por: ‘Se Avexe Não’, ‘No Seu Radinho’ e ‘Afrontamento’

Tripulantes da Sabiabarca

Com Ilya no vocal, o trio de Fortaleza casa, de forma perfeita, a psicodelia e o cancioneiro popular. No palco, Ilya é quase uma entidade, e a sua presença é um espetáculo à parte: ela dança, se descabela e se permite levar pela correnteza das melodias. A Sabiaguaba, no litoral leste do estado, é fonte confessa de inspiração para as composições do projeto.

Comece por: Céu e Mar’

Alambradas

“Já que não tem ninguém pra fazer uma banda comigo, vou fazer música sozinha”, pensou Nicole Patrício, de 22 anos, que tem o trabalho influenciado por artistas como Fiona Apple e Imogen Heap. No EP Cíclica, feito de forma independente e distribuído pela Tratore, ela canta de amor, solidão, desilusão e a vida na cidade. Soa como uma noite em claro conversando com sua melhor amiga.

Comece por: ‘Real First Step’, ‘Mapa dos Arredores’ e a instrumental ‘Cíclica’

Luana Hansen

Sonoplasta, DJ, MC, técnica de áudio, produtora musical, negra e lésbica. Quer mais? Ganhou o prêmio Hutúz, considerado o maior da América Latina e participou do Festival do Rap Feminista de Cuba.

Comece por: ‘Flor de Mulher’, uma resposta à letra machista de ‘Trepadeira’, do Emicida.

Mahmundi

A cantora, produtora e compositora carioca Marcela Vale foi a responsável por um dos projetos mais refrescantes de 2016. O mais recente disco de Mahmundi, lançado pela Stereomono (mesmo selo de Boogarins e Jaloo), é delicado, confessional, acolhedor e nostálgico, mas não necessariamente triste. Música para dançar sentindo saudade. Pra que melhor?

Comece por: ‘Hit’, ‘Eterno Verão’ e ‘Leve’.

Abra

Abra é novaiorquina, mas começou a fazer música em Atlanta. O som da cantora e produtora cria uma atmosfera sexy, anos 80, com elementos de hip hop. Ela questiona o fato de seu som ser comumente rotulado como R&B. ‘Ser uma cantora negra não quer dizer que eu seja R&B. Pode ser pop alternativo, soul experimental, soul eletrônico. Criem novos rótulos ao invés de nos encaixar nos mesmos só porque somos negros’.

Comece por: ‘No Chill’, ‘Roses’ e ‘Fruit’

Menção honrosa: Elza Soares

Hors-concours. Elza nasceu na favela, passou fome, casou jovem, foi ameaçada de morte pelo relacionamento com Garrincha, lidou com o alcoolismo do marido até a sua morte, perdeu dois filhos e continua aqui pra contar a história. Em seu último disco, ‘A Mulher do Fim do Mundo’, de 2015 – no top 10 do The New York Times ao lado de Beyoncé e David Bowie – Elza canta sobre violência doméstica, negritude e sobre o que realmente é ser uma mulher: sobreviver.

Comece por: Maria de Vila Matilde’

Agradecimentos especiais aos meus colegas da Boldo Musical, à página Quase Todo Dia Uma Banda de Mina Diferente e às meninas fodas dos selos Banana e PWR Records, por me lembrarem todos os dias que eu posso até fugir, mas o meu lugar é falando de música mesmo.

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