George Michael, Muhammad Ali, Dom Paulo: A resistência empobreceu em 2016

Quantas vezes já não cantamos Freedom! em coro, no meio da balada, enquanto o DJ – percebendo que a pista sabia a letra de cor – desligava o som. Música que saía a plenos pulmões quando lembrávamos os significados que ela podia adotar. Definitivamente, o mundo perde um pouco a cor sem George Michael, que morreu neste domingo (25).

Fonte: Blog do Sakamoto

Pode ser coincidência apenas. Ou uma tentativa do nosso cérebro relacionar o ano de crises política, econômica e institucional, no Brasil, e de crise humanitária de refugiados, sandice nas Filipinas, Brexit, Donald Trump, no mundo, com a morte de uma série de pessoas que não eram apenas cultuados na música, nos esporte, nas artes, na religião, mas também referências para nossa resistência diária.

George não desejava ser símbolo da luta pelos direitos dos homossexuais, mas também não queria a farsa de ser vendido como símbolo sexual hétero. Tornou-se, diante do preconceito da sociedade que enfrentou e cantou isso abertamente.

Da mesma forma, Muhammad Ali (morto em 3 de junho) não imaginava que se tornaria um exemplo na luta contra o racismo. Mas, diante dele, optou pela desobediência civil, pagando um preço alto por isso em sua carreira e na vida pessoal.

Ou Paulo Evaristo Arns (14 de dezembro), que não imaginava que seria um farol na luta contra as atrocidades da ditadura civil militar brasileira. Mas colocou a vida em risco ao entender que a alma só seria livre se o corpo também fosse.

Pessoas que se tornam maiores que as áreas que as consagraram, por travarem a boa luta pela dignidade e por não se resignarem a cumprir o papel que a sociedade projetou, por exemplo, para um gay, um negro e um padre.

Muitos que, neste ano, lamentam por Michael, Ali e Arns detestam mudanças no status quo, exatamente o que eles defendiam. Ou adoram um revolucionário desde que esse passe pelo processo de pasteurização da indústria cultural e apareça em estampas de camisetas, mas repudiam qualquer grito que venha de minorias em direitos.

O fato é que eles são inspiração. Com eles, acreditamos que é possível dizer não para a opressão.

Enquanto você leu este curto texto, um jovem pode ter sido morto na periferia por ser negro, uma jovem violentada por ser mulher, um rapaz espancado por ser gay, uma trabalhadora ser intoxicado por bombas de gás por defender seu emprego, um praticante de religião de matriz africana ser molestado por professar sua fé.

Enfim, precisamos que as novas gerações conheçam não apenas o legado musical, artístico, esportivo, literário, religioso dos que se vão, mas a resistência travada por trás deles.

Meu medo é que os bons do século 20 estão morrendo antes que realmente tenhamos entendido completamente suas lutas. E conseguido inspirar as novas gerações do século 21.

+ sobre o tema

Fome extrema aumenta, e mundo fracassa em erradicar crise até 2030

Com 281,6 milhões de pessoas sobrevivendo em uma situação...

Presidente de Portugal diz que país tem que ‘pagar custos’ de escravidão e crimes coloniais

O presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, disse na...

O futuro de Brasília: ministra Vera Lúcia luta por uma capital mais inclusiva

Segunda mulher negra a ser empossada como ministra na...

para lembrar

A ocupação da Seppir por Luíza Bairros significa um novo tempo?

Por: Fátima Oliveira   Leio a indicação da socióloga Luíza Bairros...

Justiça condena União a indenizar professora que sofreu perseguição política durante a ditadura

Ex-professora estadual do Ceará, que mora em Porto Alegre...

No meio da pandemia, governo Bolsonaro admite que removerá quilombolas

No meio da pandemia do novo coronavírus, o governo...

Nosso Ministério é Público

Folha de São Paulo - por: Antonio Visconti e...

Desigualdade ambiental em São Paulo: direito ao verde não é para todos

O novo Mapa da Desigualdade de São Paulo faz um levantamento da cobertura vegetal na maior metrópole do Brasil e revela os contrastes entre...

Foi a mobilização intensa da sociedade que manteve Brazão na prisão

Poucos episódios escancararam tanto a política fluminense quanto a votação na Câmara dos Deputados que selou a permanência na prisão de Chiquinho Brazão por suspeita do...

MG lidera novamente a ‘lista suja’ do trabalho análogo à escravidão

Minas Gerais lidera o ranking de empregadores inseridos na “Lista Suja” do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A relação, atualizada na última sexta-feira...
-+=