‘Fingi que era homem para poder trabalhar – até ser acusada de estupro’

Pili Hussein queria fazer fortuna procurando uma pedra preciosa que acredita-se ser mil vezes mais rara do que diamante, mas, já que as mulheres não podiam trabalhar nas minas na Tanzânia, ela se vestiu como homem e enganou seus colegas por quase uma década.

Por Sarah McDermott, da BBC 

Vestida de homem, Pili Hussein trabalhou por quase dez anos em uma mina de tanzanita sem ser reconhecida

 

Hussein cresceu em uma família grande na Tanzânia. Seu pai era um criador de gado que tinha muitas fazendas, seis mulheres e 38 filhos. Mas ela nem sempre se lembra da infância com saudades.

“Meu pai me tratava como um garoto e me dava gado para cuidar. Eu não gostava nem um pouco daquela vida”, disse à BBC.

Mas seu casamento era ainda mais infeliz, e aos 31 anos, Pili fugiu, abandonando o marido abusivo.

Em busca de trabalho, ela foi para a pequena cidade de Mererani – aos pés do monte Kilimanjaro, o mais alto do continente africano -, único lugar no mundo onde se encontra uma pedra rara e roxo-azulada chamada de tanzanita.

A tanzanita foi descoberta em 1967 pelo povo Massai e é uma das pedras mais vendidas do mundo, apesar da quantidade limitada

 

“Eu não estudei, então não tive muitas opções”, diz.

“Mulheres não podiam entrar nas minas, então entrei como um homem forte. Você pega calças largas, as transforma em shorts e fica parecendo um homem. Foi isso o que eu fiz.”

Para completar a transformação, ela também mudou de nome.

“Eu era chamada de Uncle (tio) Hussein. Não disse a ninguém que meu nome real é Pili. Até hoje, se você for na mina, pode me procurar por esse nome.”

‘Gorila’

Nos túneis quentes e apertados das minas – alguns dos quais se estendem por centenas de metros sob a superfície -, Pili trabalhava de 10 a 12 horas por dia, cavando e peneirando, esperando descobrir pedras preciosas em veios de grafite.

“Eu descia a até 600 metros, tinha mais coragem do que muitos outros homens. Eu era muito forte e conseguia produzir o que era esperado de um homem.”

Pili diz que ninguém suspeitou que ela era uma mulher.

“Eu me comportava como um gorila. Eu sabia lutar, falava palavrões, andava com um facão como um guerreiro (da tribo) Massai. Ninguém sabia que eu era uma mulher porque eu fazia tudo como um homem.”

Depois de cerca de um ano, ela descobriu dois aglomerados enormes de tanzanita. Com o dinheiro que conseguiu, construiu casas para seu pai, sua mãe e sua irmã gêmea, comprou mais ferramentas e contratou mineiros para trabalhar para ela.

Seu disfarce era tão convincente que foi preciso um incidente fora do comum para que sua verdadeira identidade fosse revelada. Uma mulher afirmou ter sido estuprada por alguns dos mineiros e Pili foi presa como suspeita.

“Quando a polícia apareceu, os homens que estupraram a mulher disseram: ‘O culpado é ele’, e eu fui levada para a delegacia”, relembra.

Exame

Mineiros cavam as pedras usando cinzéis e enchem sacos com os escombros. Depois, transportam a carga para cima usando uma corda+

Ela não teve escolha a não ser revelar seu segredo.

Pili pediu que a polícia encontrasse uma mulher que pudesse fazer um exame médico nela, para provar que não poderia ser responsável pelo estupro. Ela foi liberada em seguida, mas, mesmo assim, seus colegas mineiros não conseguiram acreditar que tinham sido enganados por tanto tempo.

“Eles nem acreditaram quando a polícia disse que eu sou mulher. Não foi fácil para eles aceitarem, até 2001, quando eu me casei e comecei minha família.”

Encontrar um parceiro quando todos acham que você é um homem não é fácil, diz Pili, mas ela conseguiu.

“A pergunta que ele se fazia sempre era: ‘Ela é uma mulher mesmo?’. Só depois de cinco anos ele se aproximou de mim.”

Vestida com roupas largas, Pili enganou mineiros por quase dez anos

Vida diferente

Pili fez uma carreira de sucesso e hoje é dona de sua própria companhia de mineração, com 70 funcionários. Três de suas funcionárias são mulheres, mas elas trabalham como cozinheiras, não como mineiras.

Segundo Pili, apesar de haver mais mulheres hoje na mineração do que quando ela começou, poucas ainda trabalham realmente no interior das minas.

“Algumas lavam as pedras, algumas as vendem, outras estão cozinhando, mas elas não descem para as minas. Não é fácil convencer mulheres a fazer o que eu fiz.”

Seu sucesso permitiu que ela custeasse a educação de mais de 30 sobrinhas, sobrinhos e netos. Apesar disso, no entanto, ela não quis que sua filha seguisse seus passos.

“Tenho orgulho do que fiz. Me fez rica, mas foi difícil para mim.”

“Quero que minha filha vá à escola, tenha educação e consiga viver sua vida de uma maneira muito diferente da minha”, afirma.

Com o dinheiro das pedras que encontrou, Pili fez sua própria empresa, que hoje tem 70 funcionários

+ sobre o tema

Luiza Brunet e a síndrome da gaiola de ouro. Por Nathalí Macedo

Luiza Brunet teve quatro costelas quebradas pelo então companheiro,...

Brigada Militar de Porto Alegre: uso combinado de repressão e opressão machista, racista e LBTfóbica!

— “Vadiazinha”… “Vagabunda”… “Machorra! Pensa que não te conheço?...

Número de pessoas forçadas a se casar no mundo sobe 42,8% em 5 anos, diz ONU

O número de pessoas que foram forçadas a se casar...

Dia Internacional da Mulher Indígena

Hoje, 05 de setembro, é Dia Internacional da Mulher...

para lembrar

YouTube está censurando vídeos de Lady Gaga e de todos os canais LGBTs do mundo

Eu produzo conteúdo pra internet, começando aqui no Superpride,...

Mulheres Negras nas ruas. Ouçam nossas vozes!

Somos as mulheres negras de São Paulo que ajudaram...

Como reconhecer a armadilha do relacionamento abusivo

Existem algumas pistas que podem indicar se você está...

Jovem é vítima de estupro à tarde na Avenida Paulista

Crime ocorreu no início da tarde desta terça-feira, 29;...
spot_imgspot_img

Mulheres recebem 19,4% a menos que os homens, diz relatório do MTE

Dados do 1º Relatório Nacional de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios mostram que as trabalhadoras mulheres ganham 19,4% a menos que os trabalhadores homens no...

Órfãos do feminicídio terão atendimento prioritário na emissão do RG

A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e a Secretaria de Estado da Mulher do Distrito Federal (SMDF) assinaram uma portaria conjunta que estabelece...

Universidade é condenada por não alterar nome de aluna trans

A utilização do nome antigo de uma mulher trans fere diretamente seus direitos de personalidade, já que nega a maneira como ela se identifica,...
-+=