PMs ameaçam vizinhos e familiares de jovem negro morto na zona sul de SP

Enviado por / FonteUOL, por Caê Vasconcelos

O jovem foi morto com tiros no peito, quando já estava rendido por um policial militar na Estrada do M'Boi Mirim, perto do hospital, na noite de domingo (15).

Moradores do Jardim Souza, na região do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, relatam uma sequência de ações violentas e ameaças de morte praticadas por policiais militares após o assassinato do motoboy João Richard de Oliveira Gama Lopes, 25.

A SSP-SP (Secretaria Estadual da Segurança Pública) afirma que foi instaurado Inquérito Policial Militar sobre as circunstâncias da morte. Em relação às ameaças, a pasta diz que “as informações trazidas pela reportagem serão apuradas” e que testemunhas serão ouvidas (leia mais abaixo).

Vizinhos e familiares já ouviram policiais militares repetindo que haverá “toque de recolher” a partir das 20h hoje e amanhã. Os agentes teriam ameaçado matar quem estivesse na rua depois desse horário. A SSP nega.

A reportagem esteve no local e viu carros da Polícia Militar e policiais andando com fuzis pelas ruas e vielas na tarde de quarta-feira (18).

Moradores dizem ainda que amigos e vizinhos foram obrigados a tirar uma camiseta feita para homenagear o motoboy. Também relatam que os policiais têm pedido para que os celulares sejam desbloqueados e para que os vídeos da abordagem policial que resultou na morte de Richard sejam apagados.

Eles [PMs] estão falando que todos que deram entrevistas vão morrer, um por um. Estão batendo, rasgando a camiseta dos meninos.”

A reportagem manteve os nomes dos entrevistados em sigilo por segurança.

O que aconteceu no domingo

Os vizinhos contam que Richard tinha comprado a moto recentemente, para trabalhar e passear. Desde então, era alvo constante de abordagens policiais —mesmo com a documentação da moto em dia.

No domingo, segundo parentes, Richard saiu de casa com a moto por volta das 20h, acompanhado de um primo de 17 anos. Os dois iriam a um baile funk no Capão Redondo, também zona sul. Duas horas depois, dois policiais militares foram até a casa da família, disseram que a moto havia sido roubada e que deveriam entrar em contato com o 100º DP (Jardim Herculano).

Enquanto a família tentava falar com Richard, chegaram as primeiras mensagens indicando que ele estava jogado no chão da Estrada do M’Boi Mirim. Os parentes foram até o local e encontraram o rapaz morto. O primo adolescente foi localizado no dia seguinte, por volta das 4h, “todo machucado” na delegacia.

Segundo a família, Richard foi agredido e o celular e os documentos dele desapareceram.

Richard, 25, foi morto durante abordagem policial Imagem: Arquivo pessoal

O dia seguinte

Na segunda-feira (16), os moradores fizeram um protesto contra a morte de Richard na avenida Guarapiranga e foram agredidos por policiais militares.

Na terça (17), policiais acompanharam o enterro de Richard, no Cemitério Parque das Cerejeiras, no Jardim Ângela, e apreenderam motos das pessoas que foram até o local, de acordo com os vizinhos.

A quebrada inteira foi no enterro.”

O que dizem os policiais e a SSP

Na delegacia, os PMs Claudio Pereira de Aguiar Filho, 25, e Gabriel Santana Azevedo, 27, afirmaram que estavam patrulhando a rua Simão Caetano Nunes quando avistaram uma viatura conduzida pelo PM Jefferson Viana Souza, 29, perseguindo uma moto —onde estavam Richard e o primo.

Os agentes disseram que o PM Pedro Rafael dos Santos Bertucci, 38, tentou parar a dupla e teria visto o primo apontar um “objeto que parecia ser uma arma”. Os policiais alegam que ouviram disparos, mas perderam “contato visual” com a moto.

Bertucci afirmou à Polícia Civil que fez quatro disparos “por temer por sua vida” por uma “possível menção” do garupa em pegar “uma arma de fogo”, “mesmo sem ter certeza que os jovens portavam uma arma”.

A arma citada pelos policiais, uma pistola calibre 32 com a numeração raspada e sem munição, foi encontrada a 50 metros do corpo de Richard. A família afirma que Richard e o primo não tinham armas.

O caso foi registrado no 47º DP (Capão Redondo) como morte em decorrência de intervenção policial e posse ou porte ilegal de arma de fogo.

Procurada, a SSP repetiu a versão narrada pelos policiais miliares, mesmo com o vídeo enviado pela reportagem.

Sobre a presença dos agentes no bairro, a pasta disse que “as ações de policiamento foram intensificadas em todo o Estado”, com “reforço de 17 mil policiais militares nas ruas” desde o dia 11.

“A Corregedoria da Polícia Militar está à disposição para registrar e investigar toda e qualquer denúncia contra integrantes da instituição”, afirma nota enviada à reportagem.

Após a publicação da reportagem, advogado Renato Soares, que defende o PM Bertucci, reafirmou o que foi registrado no boletim de ocorrência e acrescentou que o agente atirou Richard foi “na direção do policial”. Em nota, o defensor “reitera a legitimidade da ação”.

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