Mãe Menininha: O que a maior mãe de santo fez contra o racismo religioso

Enviado por / FonteEcoa, por Paula Rodrigues

Em um 10 de fevereiro como hoje, só que em 1894, nasceu, em Salvador (BA), Mãe Menininha do Gantois, para anos mais tarde ser considerada uma das principais mães de santos que o Brasil já teve.

Batizada Maria Escolástica da Conceição Nazareth, a mãe de santo se tornou “a estrela mais linda, o sol mais brilhante, a beleza do mundo, a mão da doçura, o consolo da gente, a Oxum mais bonita”, nas palavras do compositor Dorival Caymmi.

Quando ainda jovem, aos 28 anos, os orixás mostraram através de um jogo de búzios que Mãe Menininha seria a sucessora da mãe de santo Pulchéria Maria da Conceição (de quem era sobrinha-neta) na liderança do Iyá Omi Asé Iyamassê, o Terreiro de Gantois — localizado na rua que hoje leva o nome de Mãe Menininha na capital baiana.

Foram 64 anos dedicados a função, com centenas de filhos de santos espalhados pelo país, lutando tanto pela legalização do candomblé, quanto pela aceitação completa da religião na sociedade brasileira ainda escravista e, depois, fortemente marcada pela escravidão e o racismo.

Em 13 de agosto de 1986, Mãe Menininha morreu de causas naturais.

Em destaque, Mãe Menininha, retratada por Lorenzo Dow Turner – Imagem retirada do site Ecoa

Como Mãe Menininha do Gantois lutou contra o racismo religioso no Brasil?

1- Mãe Menininha foi ‘a mãe de santo das mães de santo’

Por causa principalmente dos quase quatro séculos de escravidão e do racismo, o candomblé no Brasil passou — e, tomada as devidas proporções, ainda passa — por forte perseguição. Não raro aconteciam as batidas policiais, que destruíram terreiros, quebravam ou apreendiam artefatos tradicionais da religião e prendiam quem era pego exercendo essa fé de matriz africana.

Assistindo isso, Mãe Menininha passou a abrir as portas do Terreiro de Gantois para diversas pessoas que ainda não eram próximas à religião.

Convidou brancos católicos a conhecer o espaço e o candomblé, e recebeu grande lista de famosos em seu terreiro, para citar alguns: Pelé, Gilberto Gil, Gal Costa, Bethânia, e políticos como Lula, Getúlio Vargas, Paulo Maluf.

Em entrevista à BBC, o sociólogo, antropólogo e babalorixá Rodney William Eugênio definiu Mãe Menininha como a “ialorixá das ialorixás”, ou seja, a mãe de santo das mães de santo. “Aquela diante de quem todas as mais velhas da Bahia se curvam por tudo que ela representa, pela própria condição de conciliadora”.

Detalhe do camarim de Maria Bethânia, durante temporada de apresentações no Canecão, no Rio de Janeiro. Perto do espelho: uma foto de mãe Menininha do Gantois, um quadro de santa Bárbara e uma sereia dentro de uma tigela de água – Imagem retirada do site Ecoa

2 – Fez católicos aceitarem mulheres vestidas com trajes do candomblé na igreja

O nome de batismo de Mãe Menininha é uma homenagem à Santa Escolástica, de quem foi devota da vida inteira. A ligação da ialorixá com o catolicismo, no entanto, não parou por aí.

Ciente de que muitos do candomblé tinham um pezinho na religião católica, ela lutou e chegou a convencer bispos de Salvador a permitir a entrada de mulheres usando roupas tradicionais do candomblé, como turbantes, por exemplo, em igrejas da cidade.

3- Usou o sincretismo religioso como ferramenta

É fácil de encontrar por aí textos que descrevem as ideias de Mãe Menininha como conciliadoras, sempre vista como alguém que pregava o respeito e a boa convivência entre as religiões. Inclusive, as misturando um pouquinho.

Ela própria se dizia católica, por exemplo. Afirmação que também vinha como um certo “truque”, já que era comum pessoas de religiões de matriz africanas misturar suas tradições e costumes com o catolicismo para serem menos perseguidos pela polícia e sociedade da época.

Inclusive, era grande frequentadora de missas nas igrejas católicas. Em entrevista à Agência Brasil, em 2016, quando Mãe Menininha virou tema do desfile da Vai-Vai (de 2017), a filha caçula dela, Mãe Carmem contou um pouco mais sobre a relação da mãe de santo com outras religiões:

“Eu fui criada totalmente no candomblé, minha mãe era do candomblé, mas tivemos muita vivência católica, por exemplo. Ela queria que fôssemos batizados e fizéssemos a primeira comunhão na Igreja Católica. Então, dentro do candomblé, não se proíbe nada que é bom. Não há justificativa [para a intolerância religiosa]. Por que essa intolerância? Só porque é de preto e pobre? Não pode ser”.

Casa de Mãe Menininha de Gantois, em Salvador (BA) – Imagem: Tatiana Azeviche/Setur-BA

4 – Foi a principal ativista contra a Lei de Jogos e Costumes de 1930

Aos 29 anos, Mãe Menininha casou com o advogado descendente de escoceses Álvaro MacDowell de Oliveira. Juntos se apoiavam e articulavam o que poderia ser feito legalmente para acabar com a discriminação do candomblé no Brasil.

No começo do século XX, o país via diminuir a perseguição contra religiões de matriz africana, muito pelo trabalho desenvolvido no Terreiro do Gantois. Mas, em 1930, uma nova lei surge: a Lei de Jogos e Costumes, que dentre outras coisas, determinava que esses atos religiosos só poderiam acontecer com autorização policial e deveriam acabar até às 22h.

Em uma passagem do livro “Candomblés da Bahia”, Edison Carneiro relembra um episódio em que um chefe da polícia bateu no Terreiro de Gantois para encerrar a celebração religiosa, ao que Mãe Menininha rebateu educadamente dizendo que ali se praticava uma tradição ancestral. “Venha dar uma olhadinha o senhor também”, completou à época.

Com a articulação de Mãe Menininha, a lei de 1930 foi revogada. E, em 1976, o governador da Bahia finalmente sancionou decreto que liberava as casas de candomblé, acabando também com a necessidade de terreiros terem uma licença e pagar uma taxa para funcionar.

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