‘Nenhuma mulher negra deve passar por momentos como este’: Fiocruz repudia expulsão de mulher, aluna da fundação, de avião

Companhia aérea afirma que Samantha Barbosa teria sido retirada da aeronave por 'medida de segurança'; mestranda se negou a despachar uma mochila que já estava acomodada no compartimento

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) emitiu uma nota de repúdio, neste sábado, sobre a expulsão de uma mulher negra de um voo da Gol, na noite de ontem, por ter se negado a despachar uma mochila. Samantha Barbosa – que alegou que, na bolsa, havia um laptop que poderia sofrer danos no compartimento de carga, e disse ter sido ignorada pela tripulação – é aluna de mestrado em Saúde Pública da fundação.

“A Fiocruz vem se somar às manifestações de todas as pessoas e instituições que repudiam atos violentos como o que ocorreu num voo na noite desta sexta-feira (28/4), no trajeto de Salvador para São Paulo. A passageira Samantha Vitena, mestranda em Bioética da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) da Fiocruz, foi vítima de racismo e violência contra a mulher pela forma de tratamento dispensada a ela tanto dentro do voo, pela tripulação, como pelos agentes da Polícia Federal, convocados pela companhia aérea, para retirá-la à força sem justificativa e sem que Samantha apresentasse qualquer resistência ou motivo para tal”, disse a nota.

Mesmo após conseguir acomodar a bagagem na parte superior ao assento, dentro do avião, Samantha foi expulsa da aeronave por três agentes da Polícia Federal, que afirmaram que o comandante havia definido que ela era uma ameaça à segurança do voo.

O caso foi gravado por passageiros do voo, e rapidamente repercutiu nas redes sociais. Nos vídeos, a mulher aparece explicando a sua situação em meio aos agentes e, no fim, retirando a mochila do compartimento para se retirar da aeronave. No momento, é possível observar que a mochila estava acomodada, e que havia malas maiores no mesmo local.

Em nota, a Gol disse que “havia uma grande quantidade de bagagens para serem acomodadas a bordo e muitos clientes colaboraram despachando volumes gratuitamente”. “Mesmo com todas as alternativas apresentadas pela tripulação (a companhia não diz quais), uma cliente não aceitou a colocação da sua bagagem nos locais corretos e seguros destinados às malas e, por medida de segurança operacional, não pôde seguir no voo”.

Para a Fiocruz, porém, a postura da companhia aérea e da polícia foi motivada pelo fato de Samantha ser uma mulher negra, o que “atinge um coletivo que sofre diariamente com as consequências psicológicas, materiais, morais, pessoais e políticas que o racismo produz na população negra brasileira”.

“A violência racista que acomete tantas pessoas no Brasil expulsou Samantha de um voo de retorno para sua casa e a submeteu a interrogatório durante a noite, na delegacia. Como instituição que defende os princípios da equidade e da justiça social, a Fiocruz se solidariza à vítima e se une à indignação provocada por esse episódio, que deixa marcas profundas não apenas em Samantha, mas atinge um coletivo que sofre diariamente com as consequências psicológicas, materiais, morais, pessoais e políticas que o racismo produz na população negra brasileira. Nem Samantha, nem nenhuma mulher negra deve passar por momentos como este. Todos os dias a Fiocruz e a sociedade brasileira devem reafirmar seu compromisso com a democracia, a equidade, a justiça racial e de gênero”, afirma a fundação.

Em entrevista ao GLOBO, o advogado de Samantha, Rodrigo Santos, contou que a mulher passou cerca de 8 horas na última madrugada, desde o momento em que foi expulsa da aeronave até ter sido realocada em outro avião da companhia rumo a São Paulo, na delegacia do Aeroporto Luís Eduardo Magalhães, na capital baiana.

– Depois que ela saiu do avião foi conduzida à unidade da PF que fica no aeroporto e, lá, ela se encontrou conosco (ele e a advogada Rebeca Leonardo) e começamos a oitiva. Acompanhamos a lavratura de um Termo Circunstancial de Ocorrência que, no nosso entender, carecia de justa causa. Ou seja, não havia elementos fáticos ou probatórios que indicassem a prática de um ato penalmente relevante – afirmou.

– Eles disseram que ela resistiu à ordem de sair do avião, quando na verdade ela não fez isso, e as imagens mostram isso. O que ela fez foi perguntar por que estava sendo retirada daquele avião. É um direito que a assiste e, mesmo assim, foi negado pelos agentes de polícia. Ela só foi ter ciência do que tinha fundamentado aquela retirada quando foi ouvida pelo delegado.

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