Crimes contra as mulheres são uma triste rotina na capital do país

Casos de estupro, violência doméstica e feminicídio aumentaram entre 2021 e 2022 no Distrito Federal. Especialista aponta, entre as principais causas dessa realidade revoltante, a desigualdade de gênero

Crimes cometidos contra as mulheres viraram uma lamentável rotina no Distrito Federal. Dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) mostram que os casos de estupro e violência doméstica, por exemplo, cresceram. No ano passado, uma média de dois casos de estupro ocorreram na capital do país, enquanto, no mesmo período, 46 mulheres sofreram algum tipo de violência dentro da própria casa. Fazendo uma comparação com 2021, foram 16.791 casos de violência doméstica, contra 16.949 no ano passado — crescimento de 0,9%. Em relação aos estupros, o aumento é ainda maior. Enquanto 697 pessoas foram violentadas há dois anos, o número chegou a 763 em 2022. Trata-se de um avanço de 9,5% nesse tipo de crime.

O caso mais recente deste último tipo de crime chocou o DF. A estudante Regiane da Silva, 21 anos, foi morta após ser estuprada. Segundo a investigação da Polícia Civil (PCDF), o responsável é Sérgio Alves, 42, que está preso. Na delegacia, ele confessou o crime. De acordo com os delegados à frente do caso, Thiago Oliveira e Marcelo Gaia, da 16ª Delegacia de Polícia (Planaltina), a estudante esteve em poder do criminoso por, pelo menos, 12 horas, antes de ser morta.

Para a professora de direito penal do CEUB e advogada especialista em violência contra a mulher Carolina Ferreira, a raiz desses crimes está ligada à falta de igualdade de gênero. “A Lei Maria da Penha é uma ação afirmativa absolutamente necessária, por não termos um contexto de igualdade no Brasil”, alerta. “As nossas estatísticas indicam que, na violência sexual por exemplo, a  maioria dos autores são homens, enquanto das vítimas, são mulheres. A gente percebe uma desigualdade muito grande no sentido do uso do estupro como uma relação de poder”, destaca a advogada — segundo a SSP, em 2022, 91,1% das vítimas de estupro (maiores de 14 anos) foram mulheres.

De acordo com Carolina Ferreira, essas intersecções sociais — raça, gênero e classe — são importantes para entender o problema e combatê-lo. Outro ponto citado pela especialista, no caso da violência doméstica, é a proximidade entre autor e vítima. “Para identificar as ocorrências, o interessante é fortalecer as redes de proteção social, em especial as escolas, os CRAS e as UBS, para que elas possam encontrar indícios de violência psicológica, moral e/ou física, a fim de evitar esses casos”, ressalta.

Casos recentes

Em 12 de abril, Cristina de Sousa Santos, 32, morreu após ser baleada pelo ex-companheiro no Conjunto T, da Estância 1, em Planaltina. Murillo Samuel Muniz de Jesus, 26, foi à casa da vítima em mais uma tentativa de reatar o relacionamento. A Polícia Militar foi acionada para atender a um chamado de Maria da Penha. Ao chegarem ao local, os PMs flagraram Murillo efetuando os disparos. Cristina levou quatro tiros na perna esquerda, nos braços e no tórax.

Ela foi transportada com hemorragia interna também para o HRP, mas não resistiu aos ferimentos. Quando denunciou Murillo por agressão e obteve medida protetiva contra ele, Cristina relatou que a relação durou nove anos, mas nunca moraram juntos. Eles estavam separados havia cerca de dois meses, tinham uma filha de 8 anos e o agressor não aceitava o fim da relação.

Dez dias depois, Maria Ivonilde Abreu, 47, foi morta a facadas pelo marido em uma parada de ônibus próximo a Feira dos Goianos em Taguatinga Norte. Após esfaqueá-la, ele tentou fugir do local, mas foi contido por populares, que viram a ação, o pegaram e passaram a agredi-lo no meio da rua. Agentes da Polícia Militar impediram que a situação se agravasse. A vítima tinha uma medida protetiva e, por isso, o assassino não poderia se aproximar dela.

Sistematização

De janeiro a abril de 2023, foram 10 casos de feminicídio na capital do país, índice que é 233% maior que o mesmo período do ano passado, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública. Para a especialista Carolina Ferreira, o combate à violência contra a mulher passa por vários caminhos. “Desde a criação da Lei Maria da Penha, temos medidas protetivas de urgência à disposição do poder judiciário, a Lei do Feminicídio e, a partir de 2018, a implementação de um formulário de avaliação de risco para o este crime na delegacia, MP e DP”, enumera.

Sobre o último mecanismo, ela dá mais detalhes de como funciona. “As mulheres preenchem um formulário em que há várias perguntas sobre o contexto geral da relação. São vários questionamentos que não se ligam à violência em si, mas ao seu contexto”, explica. “Com base nas respostas, a rede de proteção está capacitada para identificar se os fatores de risco são médios, graves ou gravíssimos”, acrescenta.

Mesmo elogiando as medidas, a advogada acredita que ainda há o que melhorar. “Um ponto muito importante a se destacar, é a utilização desse formulário em outros setores, como as redes de saúde e equipes psicossociais, para que possamos ter uma rede mais engajada”, pontua. A especialista também coloca a sistematização desse formulário como uma possível ajuda. “Atualmente, a cada nova ocorrência, a mulher preenche um novo documento. O ideal seria que ela ou a autoridade competente tivesse acesso ao formulário preenchido anteriormente, para que houvesse uma sistematização das informações”, observa Carolina Ferreira.

Órgãos integrados

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública disse que o enfrentamento ao feminicídio, à violência doméstica e contra a mulher é prioridade da atual gestão. “Como estratégia de prevenção, a SSP-DF conta com diversas iniciativas e ações voltadas para os crimes de gênero e fortalecimento de mecanismos de proteção, como o programa Mulher Mais Segura e o Serviço Viva Flor”, destacou o texto (saiba mais em Fique por dentro). Ainda de acordo com a pasta de segurança, outros órgãos do DF também ajudam no combate. “A Secretaria de Transporte e Mobilidade, por exemplo, realiza campanhas educativas para evitar ações de assédio sexual dentro dos ônibus. Motoristas e cobradores são orientados a conversar com a vítima para que ela faça o registro da ocorrência”, reforçou a nota.

Além disso, desde 2019 — por meio das portarias 96/219 e 170/2020 —, as empresas de ônibus são obrigadas a encaminhar as imagens gravadas de crime ocorrido dentro dos coletivos à delegacia de polícia, no prazo de 24 horas, a contar do momento em que ocorreu o crime, segundo a SSP. “A medida tem o objetivo de facilitar o trabalho da Polícia Civil nas investigações criminais e inibir a prática de assédio sexual, assaltos e furtos nos ônibus. As imagens podem servir de provas nas investigações e condenações dos criminosos”.

A Polícia Militar do DF destacou, também por meio de nota, a existência do Policiamento de Prevenção Orientado à Violência Doméstica e Familiar (Provid). “Ele trata do crime no seu nascedouro, atenuando sua proliferação desenfreada, evitando a reincidência e o envolvimento dos membros da unidade familiar em atividades criminosas”, explicou a corporação.

A PM afirmou também que busca atender qualquer pessoa vítima de violência doméstica. “Mas precisamos saber onde está acontecendo a violência para conseguirmos atuar, por isso a importância da denúncia”, reforçou a corporação.

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